Depois de escrever Roque Santeiro com Dias Gomes, Aguinaldo cativou o público com trama de dois homens que se desconhecem, mas que são idênticos.
Por: Emerson Ghaspar - Contato: [email protected]
Após assinar alguns episódios da série Plantão de Polícia; as minisséries de enorme sucesso: Bandidos da Falange, Padre Cícero, Lampião e Maria Bonita e Tenda dos Milagres; e de escrever junto com Glória Perez alguns capítulos de Partido Alto e de assumir o comando de Roque Santeiro, que era uma trama original de Dias Gomes, Aguinaldo Silva escreveu em 1987, sua primeira trama solo para o horário nobre da Rede Globo: O Outro.
O Outro contava a trama de Paulo Della Santa e Denizard de Mattos (ambos interpretados por Francisco Cuoco), dois homens distintos com impressionante semelhança física. O primeiro é um homem milionário conservador que é dono de uma grande imobiliária. Paulo é casado com Laura (Natália do Vale), sua segunda esposa e tem dois filhos do primeiro casamento: Marília (Beth Goulart) e Pedro Ernesto (Marcos Frota). O casal está em crise e a esposa insiste em manter o casamento de fachada, apesar da forte torcida contrária dos filhos. Laura planeja arrancar todos os bens do marido e para isso conta com o apoio de seu irmão João Silvério (Miguel Falabella), o grande vilão que pensa em dar um golpe no cunhado.
Denizard é um viúvo simples, alegre e boêmio, que tira o sustento de um ferro-velho (do qual é dono), no subúrbio carioca. Ele é pai de Zezinha (Cláudia Abreu), uma adolescente problemática, e namora Índia do Brasil (Yoná Magalhães), uma mulher alegre e bela que trabalha como sua secretária. Humilde, Denizard é um homem realizado que cresceu na vida graças ao próprio trabalho e que se sente feliz ao mudar-se para Copacabana.
Paulo e Denizard moram na mesma rua, a Avenida Atlântica, em Copacabana, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro. O milionário vive com a família na mansão do pai, Agostinho Della Santa (José Lewgoy). Lá trabalha Wilma (Arlete Salles), empregada da mansão que esconde da filha Glorinha da Abolição (Malu Mader), a identidade do pai.
Denizard mora com a filha no edifício Sobre as Ondas. Lá moram os demais personagens da trama: Liuba (Eva Todor) a fofoqueira; o síndico Demerval (Luthero Luiz); a golpista Yolanda (Wanda Cosmos); o dono de bar Gato (Milton Rodrigues); o professor de ginástica Cordeiro de Deus (Jonas Mello); a ex- miss Dodô (Isis de Oliveira) e sua filha Dedé (Luma de Oliveira) e o casal Genésio (José de Abreu) e Edwiges (Cláudia Raia) que viviam brigando por causa do ciúme dele.
No primeiro capítulo da trama, Paulo Della Santa é abordado por uma Cigana (Zilka Sallaberry) que avisa que “O outro” entrará na sua vida. Ele chega a ver Denizard entrando em um carro e ai começa a novela. O destino muda a vida dos dois durante a explosão de um posto de gasolina, onde os dois se encontram no banheiro. Por causa do incidente, o milionário é dado como morto e Denizard sofre alguns ferimentos, o que o leva a perder a memória. O dono do ferro-velho é confundido com Paulo e acaba assumindo o lugar nos negócios.
No lugar de Paulo, Denizard tenta se reintegrar no convívio da família Della Santa e nos negócios. A partir disso, o falso milionário começa a sem envolver com Laura, enquanto Zezinha e Índia do Brasil não têm certeza do que houve com Denizard, nem mesmo se ele está vivo ou morto. O publico começa a torcer a partir daí para que a verdade venha à tona.
Denizard, se passando por Paulo, começa a agir de maneira diferente do que a família Della Santa estava acostumada e desperta o interesse de João Silvério, que começa a investigar os acontecimentos do dia da explosão. O vilão então ganha a ajuda de Laura e se aproxima de Marília, no intuito de ter direito a fortuna de Paulo caso ele tenha morrido.
No decorrer da trama, Paulo (Denizard) se desencanta com Laura e começa a se envolver com Glorinha da Abolição, para desespero de Wilma, que sabe que o verdadeiro Paulo é pai da jovem. Desesperada, ela então revela que a jovem é filha do milionário. Entre as tramas que ganharam a atenção do público está à história de Gabriel (Herson Capri), um homem bom e amigo de todos, porem misterioso. Ele acaba ganhando a confiança de Agostinho e o protege das armadilhas de João Silvério. Com isso ele conhece a filha de Wilma e se apaixona. Outro romance que conquistou o publico foi o de Zezinha e o de Pedro Ernesto, que ganha a resistência da família do rapaz, que não quer ver seu herdeiro casado com uma moça humilde.
A história vai se desenvolvendo a partir de Denizard, que vai recuperando a memória até lembrar-se do acidente. Nos últimos capítulos da trama, Paulo reaparece e emocionado, explica que sumiu por que precisava dar um jeito em sua vida. O milionário colocou em prática o seu plano de desaparecer quando encontrou um homem idêntico a ele, Denizard.
Paulo conta todos os detalhes de seu plano e revela que Gabriel resolveu ajudá-lo, servindo como um verdadeiro anjo da guarda da família Della Santa. Nas últimas cenas, Denizard e Paulo ficam frente a frente na mansão de Agostinho e acertam suas contas. O dono do ferro-velho depois dos envolvimentos com Laura e Glorinha da Abolição termina nos braços de Índia do Brasil, que era para quem o público torcia.
Aguinaldo Silva usou referências da literatura e do cinema para escrever o outro. As obras; O Terceiro Homem de Carol Reed, O Duplo de Dostoiévski; O Segundo Rosto de John Frankenheimer e Kagemusha de Akira Kurosawa foram fonte de inspiração para o autor.
Na época, o autor Ricardo Linhares participava da primeira oficina da Casa de Criação Janete Clair, que havia sido criada em 1985, por Dias Gomes, com o objetivo de elaborar e selecionar roteiros para as produções da emissora, quando conheceu Aguinaldo Silva, que o convidou para ser colaborador na novela. Ele escrevia capítulos inteiros da novela, sem distinções de núcleos.
Em homenagem a Allan Kardec , criador da doutrina espírita cujo o nome verdadeiro era Hypollite Denizard Rivail , Aguinaldo Silva escolheu o nome Denizard para um dos personagens principais.
Durante sua exibição houve acusações de que O Outro fosse uma releitura de Vidas Cruzadas de 1965, escrita por Ivani Ribeiro para a TV Excelsior. As novelas tinham tramas semelhantes, mas Aguinaldo Silva desenvolveu sua história de maneira diferente e afirmou que a história não era original, mas que aquela era sua versão da famosa história de pessoas idênticas que se desconhecem, mas que tem suas vidas alteradas em determinado momento.
No início da trama onde Paulo Della Santa sonha estar enforcando um homem igual a ele. A produção pensou-se em produzir uma máscara de borracha, feita com moldes do rosto de Francisco Cuoco. A máscara seria vestida por um figurante e confeccionada com gesso. Na hora da confecção e retirada do molde, após o gesso ter secado, a mascara não conseguia ser removida por causa da barba do ator. Foi necessário martelo e talhadeira para retirada do gesso.
A ação demorou cinco horas e o ator respirou durante esse tempo por um canudinho no nariz. Segundo Francisco Cuoco o evento deixou sua barba com falhas. Para a gravação da cena, primeiro Francisco Cuoco vestiu-se como Paulo, depois como Denizard. A montagem foi feita na edição.
Nos capítulos iniciais da trama, Marcos Paulo foi substituído por Gonzaga Blota na direção da novela. Segundo informações, o supervisor de produção da Rede Globo, Paulo Afonso Grisolli, pediu que as cenas iniciais fossem regravadas pois estavam abaixo da qualidade exigida. O diretor foi afastado e Marcos Paulo alegou cansaço ao se desligar da obra, mas um mês depois entrava na novela Brega e Chique como ator. Aguinaldo Silva chegou a cogitar criar um personagem para o ator, mas ele recusou. O personagem ficou com Herson Capri.
A equipe de cenografia gravou algumas cenas em Copacabana e as demais na cidade cenográfica em Guaratiba, que reproduzia ruas do bairro carioca. Algumas cenas foram gravadas na Argentina, quando Paulo e Glorinha da Abolição fazem uma viagem romântica. O diretor Ricardo Waddington chegou a fazer uma participação como um esquiador que paquera Glorinha.
Francisco Cuoco retornava as novelas depois de três anos afastado, sua última novela havia sido Eu Prometo em 1983. O papel de Laura foi oferecido a Vera Fischer e Glória Menezes, mas ambas declinaram o convite e Natália do Vale ficou com o personagem em decorrência do sucesso de seu último personagem, a perigosa Andreia de Cambalacho, exibida no anterior. Betty Faria recusou o papel de Índia do Brasil e o papel ficou com Yoná Magalhães. O dublador Cleonir do Santos, um dos mais importantes da área atuou na trama como o porteiro Abraão. A atriz Luma de Oliveira fez tanto sucesso com seu personagem que estampou duas capas da Revista Playbou, uma em setembro de 1987 e outra em março de 1988.
A atriz Malu Mader adotou um visual mais simples, com cabelo meio despenteado e sem maquiagem para compor sua personagem. As botas da personagem também caíram no gosto popular. A atriz Zilka Sallaberry passou a integrar um grupo de ciganos para compor sua personagem e chegou a ser confundida por um deles. Cláudia Abreu apareceu em duas novelas durante a exibição da novela O Outro, além de estar na trama das 8 ainda participava das gravações da novela Hipertensão de Ivani Ribeiro as 19h. Na trama das 7, sua personagem voltava em flashbacks pois tinha sido assassinada no começo da novela e isso elucidaria o mistério.
Paula Burlamaqui, Gisele Fraga e Nani Venâncio fizeram participação especial na novela como concorrentes de Dedé em um concurso Garota Pepino 1987.
A trama contou com dois álbuns, os tradicionais Nacional e Internacional. No álbum nacional havia os sucessos Mar de Copacabana/ Gilberto Gil, O Nosso Amor a Gente Inventa/ Cazuza, Doublé de Corpo/Heróis da Resistencia , Amanhã é 23/ Kid Abelha e Os Aboboras Selvagens, Retratos e Canções/Sandra de Sá e Flores em Você/Ira! (que era tema de abertura. Na capa a atriz Luma de Oliveira.
No album internacional a atriz Malu Mader como Glorinha da Abolição continha os sucessos: Coming Around Again/ Carly Simon, Words Get In The Way/ Gloria Estephan e Miami Sound Machine, This Love/ Bad Company, Don’t Get Me Wrong/ The Pretenders, Two People/Tina Turner, Foolish Pride/ Sasha e Thousand Miles From Home/Jim Porto.
Escrita por Aguinaldo Silva com colaboração de Ricardo Linhares, sob a direção de José de Abreu, Ignácio Coqueiro, Antonio Rangel, Fred Canfalonieri, Ricardo Waddington e Gonzaga Blota, O Outro foi exibida originalmente entre 23 de março e 10 de outubro de 1987 em 179 capítulos.
Aguinaldo Silva que seria reconhecido pelo público anos depois com suas tramas e pelo seu talento ao escrever as novelas Tieta, Fera Ferida, Pedra Sobre Pedra, A Indomada, Duas Caras, Senhora do Destino entre outras, começou a escrever solo em O Outro, que podia não ter uma trama essencialmente original, mas que apresentou o talento e um jeito único de escrever novelas. O Outro merece ser revista por trazer um puro folhetim, que evidentemente nos encantaria.
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