O Planeta TV

Roda de Fogo: Ética e redenção no horário nobre

Trama escrita por Lauro César Muniz debateu a corrupção e transformou o protagonista em herói.

Por: Emerson Ghaspar - Contato: [email protected]

A redenção de um homem diante morte iminente é o mote central de Roda de Fogo, trama das 20h que conta a saga de Renato Villar (Tarcísio Meira), um rico empresário que vê sua vida mudar quando se depara com a morte.

Renato é um bem-sucedido empresário que faz qualquer coisa pelo poder, passando por cima de todos que estão em seu caminho. Aparentemente feliz, ele é casado com a perua Carolina (Renata Sorrah), uma mulher ambiciosa que tem o sonho de transformar o marido em Presidente do Brasil. Eles são os pais de Helena (Mayara Magri), uma jovem ousada. Na casa de Renato trabalha Tabaco (Osmar Prado), o motorista que se vangloria por dirigir a limousine do patrão e que namora com três mulheres diferentes: Patativa (Claudia Alencar), Bel (Inês Galvão) e Marlene (Carla Daniel).

Após remeter dinheiro para o exterior com a ajuda de Benson (Carlos Kroeber), um diretor de um importante banco, Renato Villar vê sua vida mudar quando o crime é revelado por Celso Resende (Paulo José), que envia documentos comprometedores para Europa sob os cuidados do Juiz Labanca (Paulo Goulart).

Com a divulgação de um dossiê com irregularidades da empresas de Renato Villar, um grande escândalo no meio empresarial pode destruir o patrimônio do protagonista, que recorre ao amigo e cúmplice Mário Liberato (Cecil Thiré), um advogado capaz de fazer tudo por dinheiro. Paralelo a isso, Celso morre e as desconfianças recaem sobre o empresário que tenta se aproximar da juíza Lúcia Brandão (Bruna Lombardi), na expectativa de suborná-la. O que ele não sabe é que ela é incorruptível.

Cada vez mais próximos, Renato e Lúcia se apaixonam e ela passa a viver um terrível dilema: julgar e condenar o homem que ama.  Há uma reviravolta na trama quando o protagonista procura um médico sentindo fortes dores de cabeça. Após uma bateria de exames, o marido de Carolina descobre que tem um tumor no cérebro e no máximo seis meses de vida.

A revelação de que irá morrer transforma Renato em um novo homem. O empresário decide se separar de Carolina para viver sua paixão por Lúcia. No plano profissional, o protagonista  decide utilizar parte dos lucros de sua empresa a uma fundação, além de tentar se livrar de todos os antigos aliados que  o traíram em seus negócios.

A mudança de Renato acaba contrariando os interesses de sua família e sócios, que passam a armar para destruí-lo. Entre seus inimigos estão o sócio Paulo Costa (Hugo Carvana), a ex- namorada Alice (Silvia Bandeira) e Mário Liberato, que se torna o grande vilão da história. Para cometer suas maldades, o advogado conta com o apoio de seu criado Jacinto (Cláudio Curi), que foi torturador durante o regime militar. 

Jacinto foi o grande torturador da ex-guerrilheira Maura Garcez (Eva Wilma), antiga namorada de Renato Villar e com quem teve um filho, o jovem Pedro (Felipe Camargo). Com a redenção do empresário, pai tenta reconquistar o filho em uma das tramas mais comoventes da novela.

Com a redenção de seus pecados e depois de ter encontrado o amor nos braços de Lúcia, Renato Villar morre nos braços da juíza no último capítulo da novela, depois de ouvir o filho que a amada esperava mexer.

Escrevendo pela primeira com um colaborador, o talentoso Marcílio Moraes, Lauro César Muniz desenvolveu a trama de Roda de Fogo a partir de uma sinopse criada por um grupo de autores da Casa de Criação Janete Clair: Euclydes Marinho, Ferreira Gullar, Luiz Gleiser, Joaquim Assis, Marília Garcia, Antônio Mercado e Dias Gomes.  O mote principal que era a redenção de um homem com péssimo caráter era um exercício despretensioso que se transformou em algo concreto quando o diretor Daniel Filho precisou urgentemente de uma trama para suceder o remake de Selva de Pedra.

Apesar de uma premissa inovadora, ao retratar os problemas sociais e de corrupção do Brasil, Roda de Fogo foi escrita ao modo do tradicional folhetim, marcado pelo maniqueísmo e pura dramaturgia, fazendo da obra uma das mais belas produções já produzida pela TV brasileira.

A produção gravou as primeiras cenas da novela em Brasília, com o intuito de transmitir ao público o mote central da trama: a busca pelo poder. Logo depois a ação da trama se passou para o Rio de Janeiro, onde estava a maioria dos personagens.

A equipe de figurino ficou sob a responsabilidade de Helena Gastal, que desconstruiu a imagem que o público tinha da atriz Bruna Lombardi. A atriz cortou o cabelo meio Chanel e os escureceu. Além disso, sua personagem usa tailleurs, dando um ar de sobriedade.  A atriz

 Renata Sorrah escureceu os cabelos e usou megahair para caracterizar a perua Carolina. Uma longa trança presa por um laço de veludo e roupas com ombreiras deram um charme a personagem e ditaram moda.

A redenção do vilão Renato Villar conquistou o público, que começou a torcer por ele. Com isso o juiz Labanca, que apesar de estar do lado da lei, começou a ser mal visto pelo público, que o via como uma ameaça ao amor do casal principal.

Na reta final, o público escreveu cartas a TV Globo pedindo que o protagonista continuasse vivo. Houve uma reunião entre autores e a direção para decidir o final da trama. O então vice-presidente de operações da TV Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, teria dito que o publico entenderia e aceitaria a morte de Renato Villar.

Em entrevista o ator Hugo Carvana revela que a novela fez muito sucesso e relembra o alvoroço causado em uma churrascaria no dia em que ele, Carlos Kroeber e Cecil Thiré, todos os corruptos da novela, foram jantar no local.

A novela marcava o retorno de Osmar Prado as novelas, depois de dois anos. Seu último trabalho na emissora havia sido a minissérie Meu Destino É Pecar. A novela sentiu o peso da Censura Federal que cortou algumas passagens e diálogos onde a personagem Carolina referia a Mário como homossexual. A atriz Lúcia Veríssimo se desentendeu com a produção e foi afastada da trama. No final da novela, o pai da personagem lia um cartão postal revelando o seu fim.

Destaque para as atuações de Tarcísio Meira, Bruna Lombardi, Osmar Prado,  Joana Fomm, Renata Sorrah, Eva Wilma, Cláudio Curi, Paulo Goulart e Cecil Thiré, que roubou a cena como o inescrupuloso advogado Mário Liberato.

A novela ficou marcada pelas cenas do casamento de Tabaco com suas três mulheres. O núcleo de comédia do motorista sedutor conquistou o público e cresceu na trama. Eternizada pelos telespectadores está a cena da morte de Renato Villar na praia.

Roda de Fogo teve as habituais trilhas sonoras: nacional e internacional. O primeiro álbum tinha Tarcísio Meira na capa e as seguintes músicas:
Em Flor (Too Young)/ Simone, Você / Paralamas do Sucesso,  Tema de Anamaria/Clock,
Você Se Esconde/ Rádio Táxi, Viver é Deixar Rolar o Sentimento/ Wando, Pra Começar/ Marina, Transas / Ritchie, Alguém/ Kiko Zambianchi,  Facho de Esperança/ Marçal, Segredo/ Djavan, Nem Um Toque/ Rosana
e Música Urbana / Capital Inicial. Curiosamente a música de abertura era a diferente da que estava no LP. Enquanto a que tocava na abertura era uma canção gravada em estúdio, a que estava no álbum era uma gravação realizada ao vivo.
 
 A trilha internacional que era estampada pela atriz Bruna Lombardi, interprete de juiza Lúcia, foi composta pelas músicas: Sweet Freedom/ Michael McDonald, With You All The Way/New Edition, Invisible Touch/ Genesis, Colors on My Blues/ Reno Scott, New York, Rio, Tokyo/Trio Rio, You Can’t Get Out Of My Heart/ Mike Francis, Sledgehammer/ Peter Gabriel, Holding Back the Years/Simply Red, The Finest/ The S.O.S. Band, Ancora Con Te/ Pepino Di Capri, Sahara Night/ F. R. David, Why Worry / Dire Straits, It Won’t Be the Same Old Place/ James Warren e If Looks Could Kill/ Heart.

Roda de Fogo foi exibida em 40 países e foi reapresentada entre maio e julho de 1990 no

Vale a Pena Ver de Novo. A reexibição teve inúmeros cortes e os 179 capítulos originais se tornaram 35.

Escrita por Lauro César Muniz e Marcílio Moraes, Roda de Fogo teve 179 capítulos exibidos entre 25 de agosto de 1986 e 21 de março de 1987 às 20h. A direção ficou a cargo de Denis Carvalho e Ricardo Waddington.

Roda de Fogo, apesar de ser ter sido exibida nos anos de 1980, mostra que o Brasil ainda continua o mesmo em certos aspectos jurídicos e ao mostrar que a corrupção é iminente em uma nação em que o desonesto faz parte do dia a dia. Merece reprise, mas é quase impossível.

Comente, compartilhe!


Deixe o seu comentário