A trajetória do boia-fria que chegou ao poder mobilizou o país no ano das primeiras eleições diretas após a ditadura, misturando ficção e realidade.
Por: Emerson Ghaspar - Contato: [email protected]
Em 27 de janeiro de 1989, o Brasil acompanhou o assassinato de Juca Pirama (Luis Gustavo) e Marlene (Tássia Camargo) na novela das oito da Rede Globo. O capítulo em questão era o de número 17m e a partir daí os brasileiros ficaram definitivamente apaixonados por Sassá Mutema (Lima Duarte) ou como era mais conhecido, O Salvador da Pátria.
O mote central de O Salvador da Pátria era O Crime do Zé Bigorna, já exibido como Caso Especial pela própria emissora em 1974 e que também já havia se transformado em filme em 1977, tendo todas as obras estreladas por Lima Duarte. A novela se passava em duas cidades do interior: Ouro Verde e Tangará, onde vive o deputado federal Severo Toledo Blanco (Francisco Cuoco), o homem mais rico e influente da região.
O deputado é vitima constante de Juca Pirama, um radialista aparentemente honesto, que usa do meio de comunicação para caluniar Severo, sendo que sua vida extraconjugal com Marlene vem à tona. Para se livrar das acusações, que podem atrapalhar seus planos políticos, Severo resolve casar sua amante com o matuto bóia-fria Sassá Mutema, um colhedor de laranjas analfabeto, que começa a ter aulas já adulto.
Com o casamento de Sassá e Marlene, Severo consegue manter o matrimônio com Gilda (Susana Vieira), que faz de tudo para salvar a união já desgastada. O deputado ainda é pai de Sérgio (Mauricio Mattar) e Rafaela (Narjara Turetta), que nutre um amor doentio pelo próprio pai.
A situação se complica quando Juca Pirama e Marlene são assassinados e a culpa recai sobre Sassá, que mesmo em um casamento de fachada acaba se apaixonando pela simplória professora Clotilde (Maitê Proença). O bóia-fria acaba provando sua inocência com o apoio de sua educadora, que o ajudou a recolher provas e fazendo justiça.
Paralelo a isso, a vida corrupta de Juca Pirama se torna pública, o ligando a uma quadrilha de narcotraficantes. Com isso a popularidade de Sassá cresce junto ao público, o que acaba despertando o interesse de políticos da região, que vêem nele uma forma de manter seu poder.
Com o apoio de políticos influentes, Sassá Mutema se torna prefeito de Tangará, mas acaba se desligando de grupos partidários ao perceber seus reais interesses, conquistando uma posição política independente. A partir disso, o matuto boia-fria se torna outro homem e acaba iniciando um romance com Clotilde.
Enquanto Sassá passava por uma transformação pudemos acompanhar entre uma das tramas paralelas, a rivalidade entre Marina Sintra (Betty Faria) e Severo, que eram rivais em disputas políticas e em negócios, sendo concorrentes no cultivo de laranjas. A disputa se acirrava por que Camila (Mayara Magri), filha de Marina era apaixonada por Sérgio, filho de Severo.
No decorrer da trama Severo acaba se envolvendo com Bárbara (Lúcia Veríssimo), neta de um famoso banqueiro da região. Enquanto isso, Gilda acaba se candidatando a um cargo público na intenção de obrigá-lo a manter o casamento.
Já Marina Sintra acaba se envolvendo com João Matos (José Wilker), um piloto de avião, que acaba preso injustamente ao se envolver com uma organização de narcotraficantes, graças a um plano de seu irmão Juca Pirama. Para fugir da polícia, ao mesmo tempo em que tenta desbancar a quadrilha, João assume a identidade de Miro Ferraz. Mas João e Marina não serão felizes já que ele é casado com Ângela (Lucinha Lins) e é pai de Regina (Natália Lage).
Na sinopse original de “O Salvador da Pátria”, Sassá Mutema chegaria a se tornar Presidente da República, mas por se tratar de um ano eleitoral a Rede Globo chegou a sofrer interferências diretas de Brasília. Segundo o autor, a novela fazia campanha mesmo que indiretamente ao então candidato petista Luís Ignácio Lula da Silva. Com isso o autor teve que abandonar aos poucos a questão política e dar ênfase a trama policial de João Matos.
A partir disso, novas mudanças foram incorporadas a trama, trazendo de volta o personagem Juca Pirama, que através de sua voz em uma rádio pirata. Novos mistérios surgiram na trama e a organização criminosa ganhou mais destaque deixando o público na expectativa de descobrir quem era o chefe.
Já no último mês de novela, foi exibida uma campanha sobre a AIDS, debatendo o assunto seriamente, enquanto discutia sobre preconceito e as questões sofridas por uma pessoa portadora do vírus. A campanha foi uma parceria entre Rede Globo e Divisão de AIDS do Ministério da Saúde.
No último capítulo da trama, o público descobriu que o “chefe” da organização de narcotraficantes é Bárbara, que reuniu Sassá, Severo, Gilda. Marina e João para revelar todos os seus planos. Barbara queria financiar Sassá, em troca de ajuda para seus negócios escusos. Aproveitando uma reunião privada, Gilda chamou a impressa e deu a chance para Sassá fugir.
O ex matuto correu até uma rede de TV, desmascarou a quadrilha e impediu que João e Marina fossem obrigados a viajar do pais com uma enorme quantidade de tóxico. Em uma cena que demonstrava a impunidade e a corrupção do Brasil, Bárbara foi abordada por um homem no aeroporto, deixando seu final em aberto.
Em uma das cenas finais da trama, Sassá é ovacionado pelo povo que o chama de O Salvador da Pátria e em poucas palavras define o poder que realmente pode mudar o Brasil: “Não, Salvador da Pátria não. Eu não sou o salvador da pátria, por que uma pátria que se preza, que tem a sua dignidade não precisa de salvadores. Quem salva a pátria é o povo. Vamos salvar a pátria!”.
Diante de uma mudança política e depois de quase 30 anos sem eleições, o autor Lauro César Muniz criou as demais tramas de O Salvador da Pátria. Para ajudá-lo a escrever a novela, Lauro contou com a colaboração de Alcides Nogueira. Quando o autor titular teve que se ausentar devido a uma cirurgia para retirada de pedras na vesículas, Alcides Nogueira contou com a ajuda de Carlos Lombardi e Ana Maria Moretzsohn.
Inicialmente o personagem de Luis Gustavo iria se chamar Juca Santana. O ator lembrou-se do poema de Gonçalves Dias “I-Juca Pirama”, famoso pelo trecho celebre “Meninos eu vi” – que se tornou bordão do personagem e perguntou ao autor se poderia alterar o nome do personagem. Lauro aceitou na hora.
A equipe de figurino e caracterização transformou Francisco Cuoco, que utilizava rolinhos no cabelo a cada dia de gravação, já que o personagem tinha cabelos encaracolados. A equipe de figurino sob os cuidados de Helena Gastal recebeu um pedido do diretor Paulo Ubiratan: que achassem um chapéu de feltro em formato de ovo. O chapéu se tornou marca registrada de Sassá Mutema, que tinha em seu figurino peças de algodão rústico e sem forma definida.
A abertura da novela era composta por cinco quadros que retratavam a ascensão política do personagem central da novela. Desenvolvido por Hans Donner e sua equipe, os quadros eram projetados sobre móveis enquanto Sassá Mutema andava sobre eles, mostrando sua trajetória.
Entre os atores de destaque da trama estão Lima Duarte com o seu Sassá Mutema, que conquistou imediatamente a simpatia do publico, Luis Gustavo como o corrupto Juca Pirama, Tássia Camargo como Marlene e Lúcia Veríssimo como Bárbara, a grande vilã. O Salvador da Pátria ainda foi à primeira novela de Suzy Rego e Natália Lage, que conquistou o Brasil como a doce Regina. O ator Marcos Paulo se ausentou da trama para poder participar da minissérie “A,E,I,O, Urca”, retornando somente nos capítulo final. A atriz Betty Faria emendou essa novela com “Tieta”, a novela sucessora no horário.
A novela contou com a participação especial de Chitãozinho e Xororó, Dominguinhos, os jogadores Pelé e Hortência, o empresário João Victor Oliva e da fonoaudióloga Glória Beutenmuller.
O Salvador da Pátria contou com dois álbuns, os habituais nacional e internacional. O nacional tinha em sua capa o ator José Wilker , entre suas faixas tinham as músicas “Deus te proteja de mim” na voz de Wando, “Jade”/ João Bosco, “Febre Tropical” cantada por Lucinha Lins, que interpretava Ângela na novela, e as notáveis “Lua e Flor” de Oswaldo Montenegro, musica tema de Sassá e Clotilde, “Bem Que se Quis”/Marisa Monte e “Amarra teu arado a uma estrela” na voz de Gilberto Gil como tema de abertura.
A trilha internacional tinha na capa a atriz Maitê Proença e teve os sucessos entre suas músicas: “Hold me in your arms “/ Rick Astley, “Two Hearts”/ Phil Collins, “One Moment in Time”/ Whitney Houston, “I'll Be There For You”/ Bon Jovi e “I Believe In You “/ Stryper.
Exibida originalmente entre 9 de janeiro e 12 de agosto de 1989, O Salvador da Pátria foi exibida entre abril e agosto de 1998 no Vale a Pena Ver de Novo. Vendida para o exterior com o titulo de Sassá Mutema, a novela teve a direção de Paulo Ubiratan, Gonzaga Blota, José Carlos Pieri e Denise Saraceni, contando com 186 capítulos.
O Salvador da Pátria detêm o titulo de terceira maior audiência em novela, desde a nova medição estipulada, perdendo somente para “Tieta” e “Roque Santeiro”, mas antes de mais nada, a obra de Lauro César Muniz é o exemplo claro de que as mudanças políticas, que resultaram em mudanças pessoais, deve partir do próprio cidadão, o único salvador de si mesmo, ao mesmo tempo que salvará uma nação.
Comente. Compartilhe!