A reação do ser humano diante do fim foi o mote principal da última trama de Dias Gomes para o horário nobre da Rede Globo.
Por: Emerson Ghaspar - Contato: [email protected]
Em 1996, há 18 anos, o povo da cidade de Tabacópolis, no interior da Bahia, descobriu que o mundo iria acabar e resolveu fazer as maiores loucuras, já que não haveria consequências. O local em questão era a cidade cenográfica da novela O Fim do Mundo, a última novela de Dias Gomes para o horário nobre.
A cidade em questão vivia da plantação de fumo e do turismo, graças aos fluídos da Gruta do Amor e dos poderes paranormais de Joãozinho da Dagmar (Paulo Betti), uma mistura de bruxo/ guru/ vidente que vivia exalando perfume de flores, entortando utensílios a distância e transformando água em cachaça. O paranormal divide a opinião dos moradores. Alguns o acusam de ser charlatão, enquanto outros acreditam em suas previsões, entre eles políticos e atletas. Em sua porta há sempre uma romaria de fiéis em busca de cura para os mais variados problemas. Além disso, o místico vive com três mulheres: Valdete (Alexia Dechamps), Jaciara (Luciana Coutinho) e Lindalva (Isabel Fillardis), sendo que existe um calendário para cada uma delas.
A vida calma de Tabacópolis muda quando Joãozinho prevê o fim do mundo em três meses e deixa a cidade em polvorosa. A partir disso, vários acontecimentos estranhos começam a acontecer: nasce um bezerro com duas cabeças; sinos tocam mesmo a igreja local não tendo o instrumento; um homem morde um cachorro; a terra começa a tremer e uma chuva de excremento cai sobre a cidade.
Com tantos indícios de que o fim estava próximo, a cidade entra em pânico e os hospitais e igrejas começam a ficar cheios, já que a população busca redenção. A proximidade do fim do mundo faz com que vários personagens realizem seus desejos mais íntimos. Sofrendo de impotência sexual, o empresário Tião Socó (José Wilker) procura pela ajuda de Joãozinho da Dagmar, que garante que o problema só será resolvido caso ele tenha relações com sua cunhada Gardênia (Bruna Lombardi).
Em um gesto impetuoso, Tião Socó violenta Gardênia, gerando um grande conflito com a esposa Margarida (Ângela Vieira) e o ciumento marido de Gardênia, o jornalista e agressivo Tonico Laranjeira (Otávio Augusto). Mas não é só Tião que toma uma atitude impetuosa, sua filha caçula Leticia (Paloma Duarte), que durante anos manteve-se virgem para o noivo Josias (Guilherme Fontes), filho mais velho do homem mais influente da região, o coronel Hildázio Junqueira (Lima Duarte), acaba se entregando para o peão Rosalvo (Mauricio Mattar), por quem se apaixona. Em uma cena marcante da novela, Josias, o noivo traído, castra Rosalvo.
O diretor do hospício da cidade, Dr. Pestana (Carlos Vereza) em uma atitude inesperada solta todos os pacientes, assim como o delegado Romildo Galvão (Oswaldo Loureiro), que solta todos os presos.
Em uma trama paralela, Lucilene (Patrícia França) tenta comprovar seu talento como cantora, ao mesmo tempo em que tenta provar que seu noivo Nado (Marcos Winter) não foi o responsável pela morte de Maninho (Marcelo Faria), filho do coronel Hildázio, que insiste em provar sua culpa.
Apesar de a cidade estar em pânico há aqueles que não acreditam na previsão de Joãozinho, entre eles, Tonico Laranjeira e a autoritária prefeita Florisbela, que tenta manter a ordem em uma cidade descontrolada. Já o malandro Vadeco (Tatu Gabus Mendes), aproveita a oportunidade para vender terrenos no céu.
A situação se complica quando o mundo não acaba e todos são obrigados a enfrentar as consequências de seus atos, após Joãozinho da Dagmar afirmar que sua previsão estava equivocada. Enquanto todos tentam recomeçar a vida, um estranho objeto cai do céu e místico acaba tendo a certeza de que o mundo realmente iria chegar ao fim. Alguns discutem se o objeto é um disco voador ou um pedaço de satélite.
No último capítulo, a profecia de Joãozinho da Dagmar se concretiza e o céu se fecha e uma chuva de meteorito atinge a cidade. O pânico se instaura novamente, Vadeco volta a vender terrenos e as pessoas correm desesperadas, diante do fim do mundo.
O Fim do Mundo foi concebida para ser uma minissérie, a ser exibida às 22 horas, mas diante de problemas nas gravações de O Rei do Gado, que estavam atrasadas e devido ao fim de Explode Coração, que teve sua data estipulada porque a Globo fez um acordo com a autora Glória Perez de dispensá-la durante o julgamento de Guilherme de Pádua, assassino de sua filha, morta em 1992.
Com 35 capítulos, a novela serviu de tapa buraco enquanto uma novela terminava e a outra não ficava pronta. Apesar de ser chamada de novela, a obra se enquadraria mais como minissérie. A novela contou com exatas 1096 cenas em estúdio e 414 cenas em externa. As cenas foram gravadas na cidade de Vassouras no Rio de Janeiro, onde eram ambientadas as fazendas de Tião Socó e Hildázio Junqueira. Houveram gravações na Bahia, onde se gravou as cenas da fabrica de charutos , e em Carrancas no estado de Minas Gerais, onde foram realizadas as cenas de cachoeira. A cidade cenográfica da trama, ocupava um espaço de 35 mil metros quadrados.
Para as cenas de cataclismo foram construídas maquetes 10 vezes menor do que a cidade cenográfica original. A equipe de computação gráfica e de efeitos especiais, sob a coordenação de Paulo Badaró,que montou uma produção paralela a da obra, criou animais e objetos em três plataformas de computadores, além de serem os responsáveis por efeitos como postes caindo, a igreja de torre torta que é consertada quando cai um raio, o bezerro de duas cabeças, o céu incandescente, entre outras situações complexas. Algumas cenas foram gravadas com grua, dando uma visão diferente de cada cena.
A abertura da novela mostrava uma população fugindo de ondas enormes que engoliam a cidade, meteoritos voando em direção das pessoas, raios, carros voando, enquanto várias partes do mundo explodiam. Os créditos do elenco eram em ordem alfabética, diferente do habitual.
Com o slogan de: ”uma super novela em 35 capítulos”, a novela manteve a audiência, mas não trouxe nada inovador, exceto pelo realismo fantástico nas obras de Dias Gomes. A novela despertou o interesse do público pelo fim do mundo, inclusive sendo tema da série Como Aproveitar o Fim do Mundo, de Alexandre Machado e Fernanda Young, exibida em 2012.
A obra terminou com uma homenagem ao câmera-man Custódio Ferreira, o Negão, que morreu em um acidente de carro, após gravar as últimas cenas da novela em uma locação em Vassouras.
A trilha sonora continha sucessos de Adriana Calcanhoto/ “È...O mundo não acabou”, além de “Raios da Manhã”/ Jorge Vercilo, “Profetas”/Zé Ramalho e “Matando a pau”/Simone Moraes. Mas com certeza o maior sucesso da novela foi “O Último Dia”, na voz de Paulinho Moska, que era tema de abertura e levou o público a refletir: “O que você faria, se só te restasse esse dia?”
Os atores Patrícia França e Mauricio Mattar cantavam os temas de seus personagens. José Wilker era a capa do único álbum da novela.
O Fim do Mundo foi exibida de maneira compacta entre agosto e setembro de 2000, durante as eleições no Distrito Federal. Apesar de seu poucos capítulos, a novela nunca foi lançada em DVD.
Escrita por Dias Gomes, com colaboração de Ferreira Gullar e sob a direção de Paulo Ubiratan e Gonzaga Blota. O Fim do Mundo foi exibida originalmente entre 06/05 e 14/06/1996, sendo a última novela de Dias Gomes para o horário nobre, repleta de realismo fantástico, emoções e principalmente, colocando o telespectador para sonhar, mas acima de tudo, o levando a questionar: O que você faria se só te restasse um dia?
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