Com a proposta de criar uma telenovela contemporânea, a autora apresentou uma trama envolvendo automobilismo e a disputa por uma criança.
Por: Emerson Ghaspar - Contato: [email protected]
Autora de sucessos como “O Astro”, “Pecado Capital” e “Selva de Pedra”, que a consolidaram como a “Maga das 8”, por seu estilo cativante, singular e por apresentar seus personagens sempre como humanidade, Janete Clair nasceu Jenete Stocco Emmer (por erro do escrivão que não entendeu a pronuncia do pai da autora, que era libanês).
Nascida na cidade mineira de Confidencia em 25 de abril de 1925, a autora começou a utilizar o sobrenome artístico Clair em homenagem a musica “Claire de Lune” e a trabalhar como rádio atriz aos 18 anos, na Radio Tupi Difusora de São Paulo. Trabalhando na empresa conheceu o esposo Dias Gomes, com quem se casou e teve quatro filhos.
Incentivada pelo marido, nos anos de 1950 começa a escrever radio novelas de grande sucesso, como “Perdão Meu filho” exibido pela Rádio Nacional em 1956. O reconhecimento Do talento de Janete Clair em escrever tramas que mesclavam romance, mistério, drama e humor a levaram para a TV.
No ano de 1964, Janete Clair começou a escrever para a TV. “O Acusador”, nome de sua primeira telenovela era uma adaptação de uma rádio novela de sucesso da autora chamada “Inocente Pecadora”. A trama não era exibida diariamente e não tinha alcance nacional, sendo exibida primeiramente no Rio de Janeiro, seguida por São Paulo e depois alcançava outras praças. A autora ousou ao ambientar a história em Pernambuco e já dava um toque nacional a obra, já que a maioria das tramas exibidas naquele período eram adaptações de clássicos ou ambientadas em outros países, ao estilo capa e espada.
“O Acusador” era uma produção original da TV Tupi Rio e foi a primeira novela da emissora a utilizar o vídeo-teipe, apesar de não ser possível editar o material. No ano seguinte, Janete Clair escreveu para a TV Itacolomi, afiliada da TV Tupi em Belo Horizonte, a novela “Estrada do Pecado”. Com a chegada do vídeo- teipe, a afiliada resolveu encurtar a novela, dando finais esdrúxulos aos personagens. A trama terminou com 67 capítulos.
Em 1967, a autora escrevia mais uma novela para a TV Tupi, intitulada “Paixão Proibida”. A novela era uma adaptação da obra radiofônica “Família Borges”. Era uma obra de época que tinha a Inconfidência Mineira como pano de fundo para a novela e que tinha Sérgio Cardoso como protagonista. A autora chegou a ter problemas com o ator, que queria mexer a todo instante no texto de Janete Clair. Insatisfeita com o trabalho, a autora entrou em contato com o diretor Daniel Filho e sondou a possibilidade de ir para a Rede Globo. O que de fato aconteceu.
No mesmo ano, Janete Clair foi convocada por Glória Magadan, supervisora de textos da Rede Globo, para ajudar no roteiro de “Anastácia, A Mulher Sem Destino”, que era um grande investimento, mas vinha caindo bruscamente na audiência. Assim que assumiu a autoria, Janete Clair resolveu causar um terremoto e matar grande parte dos personagens, sobrando apenas 4. Entre os personagens que morreram na trama estava o que sabia o segredo que movia a novela, devido a um descuido. Com apenas 4 personagens, a novela deu um salto de 20 anos no tempo e autora pode começar do zero. A novela não foi um estouro de audiência, mas aumentou os índices e deu um rumo coerente a maioria dos personagens.
A partir disso, Janete Clair se consolidou na Rede Globo e nos anos seguintes escreveu “Sangue e Areia” e “Passo dos Ventos” em 1968, “Rosa Rebelde” em 1969. Todas essas novelas foram seguidas, sendo que a última teve ser espichada em 100 capítulos devido a um incêndio nos estúdios da Globo em São Paulo que acabou impossibilitando a estréia de outra novela.
Paralelo a isso, a TV Tupi lançava a novela “Beto Rockfeller”, uma novela contemporânea que se tornava um sucesso por apresentar dilemas da juventude. Diante dessa produção que conquistava cada vez mais telespectadores, a Rede Globo resolve mudar suas produções e pede que Janete Clair desenvolva uma trama moderna. Em 10 de novembro de 1969 estreava “Véu de Noiva”.
A trama era baseada na obra radiofônica “Vende-se um véu de noiva” da própria autora, escrita para a Rádio Nacional. A história principal falava de Andréa (Regina Duarte), uma jovem de família simples, que estava de casamento marcado com Luciano (Geraldo Del Rey), um pianista de caráter duvidoso. As vésperas do casamento, a protagonista descobre que seu noivo tem um caso com sua irmã Flor (Myriam Pérsia), de quem realmente gosta.
No dia de seu casamento, Andréa e Luciano se envolvem em um acidente de carro com o piloto de corridas Marcelo Montserrat (Cláudio Marzo). A partir disso, o pianista machuca as mãos e Andréa ganha uma cicatriz no rosto, enquanto o piloto fica internado.
Durante o período de recuperação, Andréa se apaixona por Marcelo e se torna inimiga de Irene (Betty Faria), a noiva do rapaz, que faz o possível para afastar o casal. Paralelo a isso, Flor se envolve com Luciano e acaba engravidando. O pianista foge de suas responsabilidades e com medo de ser mãe solteira, Flor entrega a criança a Andréa.
No decorrer da trama, Flor acaba se casando Armando (Carlos Eduardo Dolabella), que sonha em ser pai. A partir disso, a irmã de Andréa começa afazer exames e descobre que não poderá ter mais filhos.
Como não pode ser mãe novamente, Flor pede que Andréa devolva seu filho, mas a irmã se recusa. O caso chega aos tribunais e a criança acaba ficando com a mãe adotiva.
Apesar da trama principal forte, outras histórias paralelas chamaram a atenção do público como a decadência da família Montserrat. A casa da família acaba sendo hipotecada e o Armando sugere que Eugênio (Ênio Santos) venda a fazenda da família para saldar as dividas O patriarca dos Montserrat se recusa por guarda lembranças agradáveis da primeira esposa, Roberta.
No decorrer da trama é revelado que Helena (Glauce Rocha), atual esposa de Eugênio, se aliou a Feliciano (Gilberto Martinho), que era amante de Roberta e acabaram por matá-la. A morte da primeira esposa de Eugênio fez com que Renato (Cláudio Cavalcanti), filho do patriarca com Roberta, fosse criado por Feliciano e Rita (Ana Ariel).
As cenas que Renato descobre suas origens movimentaram a trama.
Por volta do capítulo 30, o ator Geraldo Del Rey, que dava vida a Luciano, pediu a autora para se afastar da novela porque havia fechado um acordo com a TV Tupi. Para justificar a ausência do personagem, Janete Clair resolveu matar o personagem e lançou a questão: “Quem matou Luciano?”
No capítulo 54, Luciano abriga uma conhecida totalmente bêbada em casa. Enquanto ela dorme, ele toca piano e é surpreendido pelo assassino, que atira várias vezes. A conhecida acorda, pega na arma e acaba flagrada pelo porteiro. Na confusão, a bêbada foge e deixa a bolsa, se tornando à principal suspeita.
Apesar disso, Marcelo acaba se tornando suspeito de ter matado Luciano. A partir daí, o piloto e Andréa entram em crise, pois ele acredita que ela só está casada para não prejudicar sua carreira. Já Andréa acredita que Marcelo está casado por culpa de ter causado o acidente.
No último capítulo é revelado que Rita era a assassina de Luciano. O motivo era que o pianista havia destruído sua família, ao estar noivo de Andréa e ter engravidado Flor.
Com uma narrativa moderna, diferente de novelas anteriores, Janete Clair adotou a linguagem coloquial e diálogos curtos, o que chamou a atenção do público jovem. O diretor Daniel Filho testou novas captações de vídeo no intuito de chamar a atenção do publico, tendo como referencia o filme “Easy Rider” de Dennis Hoper.
No ano de 1969, a trama era considerada moderna por apresentar uma história atual, com locações reais e apresentar um Rio de Janeiro bonito e seus pontos turisticos. Boni, então diretor da Rede Globo, ficou receoso ao tema proposto pela autora, mas o diretor Daniel Filho garantiu que manteria o melodrama ao mesmo tempo em que iria inserir o mundo automobilismo.
Para dar ênfase na trama contemporânea, a equipe de cenografia desenvolveu moradias simples para o núcleo pobre de Andréa, que morava na fictícia Vila das Saudades, enquanto preparou cenários sofisticados para o núcleo de Marcelo, que morava na Gávea. Os figurinos da novela eram reflexos da moda na época, assim as mulheres usavam vestidinhos e minissaias.
O véu de Andréa, que dava nome a novela era feito de renda finíssima e tinha uma tiara com pedrarias.
A disputa entre as duas irmãs pela guarda da criança mobilizou o Brasil. O diretor pediu ao juiz Eliezer Rosa que montasse um júri para decidir com quem a criança iria ficar no final da trama. A cena foi gravada uma vez só e Daniel Filho orientou as atrizes a improvisarem. O juiz e o júri que decidiram que a criança ficaria com Andréa, surpreenderam até a autora Janete Clair, que não sabia qual seria a decisão.
Janete Clair e Dias Gomes inovaram ao fazer suas novelas interagirem. Enquanto ela escrevia a novela, Dias Gomes escrevia “Verão Vermelho” para o horário das 22h. A personagem Flor na tentativa de engravidar ia se encontrar com douto Flávio (Paulo Goulart) da novela das 22h. Cenas para as duas novelas foram gravadas.
A abertura da novela era uma bandeira de corrida, em meio ao rosto dos atores e foi idealizada pelo próprio diretor. “Véu de Noiva” foi à primeira novela de Regina Duarte na Rede Globo. Ela era uma atriz reconhecida em São Paulo por seus trabalhos na TV Excelsior, o que foi uma forma de trazer o público paulista para a novela. A partir dessa novela, Regina começou a fazer par constante com Cláudio Marzo.
O ator Paulo José também fez sua primeira incursão em novelas, devido ao sucesso do filme “Macunaíma”. Globo e Tupi disputaram o passe do ator. Algumas personalidades também fizeram participações especiais na novela entre eles o poeta Vinicius de Moraes.
A autora se inspirou em um anuncio de jornal para escrever a radio novela e em Emerson Fittipaldi, que deslanchava como piloto de corridas, para criar o personagem Marcelo Montserrat.
A trilha sonora de “Véu de Noiva” foi à primeira novela a ter uma trilha concebida para a obra. Antes os personagens não possuíam temas específicos e então foi lançado um LP com 11 faixas entre eles o sucesso “Teletema” na voz de Regininha, que era tema de Andréa e Marcelo. Outros sucessos foram “Gente Humilde” de Chico Buarque, “Irene” de Caetano Veloso. Na época, a trilha sonora chegou a vender 70 mil cópias. Com o sucesso desse disco, a rede Globo resolveu lançar trilhas de outras novelas e acabou por criar a Som Livre.
Na época da divulgação da novela a rede Globo anunciou “Véu de Noiva” como: “Em Véu de Noiva, tudo aconteceu como na vida real. A novela verdade”. A proposta era apresentar a modernização da emissora, disposta a apresentar tramas contemporâneas.
Em 221 capítulos, “Véu de Noiva” consolidou o jeito criativo, inovador e original de Janete Clair escrever suas tramas, sempre pautadas pelo espírito inquieto, disposto a emocionar o público e mostrar toda a nossa brasilidade.
Com essa novela, Janete Clair se consolidou como escritora e conquistou mulheres e jovens,só faltava conquistar os homens, mas isso só se confirmou em “Irmãos Coragem”,no próximo post.
Gosta do trabalho da autora? Comente, compartilhe!