Ricardo Linhares chegou à Globo em 1983, aos 21 anos, para trabalhar no "Caso Verdade" e, posteriormente, no "Viva o Gordo". Formado em Jornalismo, sempre pensou em ser escritor, por isso participou de concursos literário, sendo premiado em alguns deles. Depois disso, nunca mais parou.
O primeiro trabalho como colaborador veio em 1984, na minissérie "A Máfia no Brasil", uma adaptação do livro de Edson Magalhães. A sua primeira novela, ainda como colaborador, foi "O Outro", de Aguinaldo Silva, em 1987. Após dois anos, veio "Tieta", de uma parceria firmada com Aguinaldo Silva e Ana Maria Moretzsohn. Em 1990, escreveu "Lua Cheia de Amor" em co-autoria com Ana Maria Moretzsohn e Maria Carmen Barbosa.
Em 1998, Ricardo Linhares assinou sozinho a novela "Meu Bem Querer". A sua segunda obra foi "Agora É Que São Elas", exibida em 2003. No ano seguinte, passou a integrar a equipe de colaboradores de "Celebridade", trama escrita por Gilberto Braga. O sucesso desta parceria levou os dois a trabalharem em co-autoria na novela "Paraíso Tropical", em 2007. Em seu currículo estão 14 novelas, como colaborador, co-autor e autor titular, além de minisséries e programas especiais.
Linhares, que escreve a "Insensato Coração" em parceria com Gilberto Braga, aceitou o convite de O Planeta TV! para comentar sobre a novela da 21h, que apesar do surgimento de novas mídias continua sendo o programa de maior audiência da TV brasileira.
Animado com o sucesso de "Insensato", que acumula uma audiência média de 36 pontos, Linhares comenta sobre os problemas encontrados na escalação de elenco, bem como, os desafios para driblar o surgimento de novas mídias e manter a atenção do público por oito meses.
O Planeta TV! - "Insensato Coração" teve problemas na escalação dos protagonistas. Paola Oliveira e Gabriel Braga Nunes realmente foram às primeiras opções?
Ricardo Linhares – Todo começo de novela é assim, passa por turbulências iniciais. Quem vê de fora, não tem noção. Mas, toda vez, acontecem ajustes. Muitos nem chegam a ser divulgados. Após a saída de Ana Paula Arósio e Fábio Assunção, Paola e Gabriel foram os primeiros e únicos nomes cogitados para os papéis. As listas publicadas pela imprensa, na época, foram especulativas.
O Planeta TV! - Como surgiu a ideia de criar a sinopse com várias participações especiais?
Ricardo Linhares - A proposta era criar uma narrativa diferenciada. As inúmeras participações especiais tinham histórias com início, meio e fim, que se resolviam e depois abriam espaço para novas tramas. As participações seguiam o fluxo da vida real. Quantas pessoas passam por nós e depois seguem o seu rumo?
O elenco foi enxuto, com menos de 50 personagens fixos. Algumas participações foram longas, como a do Tarcísio Meira, que entrou no capítulo 35 e saiu no 127. Gilherme Leme ficou por volta de 60 capítulos. Angela Vieira, 30. O personagem do Hugo Carvana ficou do 8º ao 21º capítulo. José Wilker, 8 capítulos; Fernanda Machado, 7. Nívia Maria, do capítulo 57 ao 73. Esse planejamento vem da sinopse. O personagem é criado em função da trama. Quando termina sua história, ele sai. Com issso, quisemos evitar barriga e personagens sem função. O ritmo foi bastante ágil e sempre houve novidades no ar.
Eu sou fã dos seriados americanos e quis trazer essa dinâmica para a novela. Nos seriados, há personagens que entram para movimentar alguns episódios (às vezes, por apenas 1 episódio) e depois saem, dando lugar a novas participações. Em alguns casos, os personagens até voltam ao longo da temporada. Na novela, isso também aconteceu. O personagem do Milton Gonçalves, por exemplo, que fez o pai do Lázaro, entrou para participar quando a história necessitou dele. Depois, se afastou. E voltou novamente, quando tive uma ação de peso para executar.
Eu já tinha começado esta experimentação em Paraíso Tropical. O Gilberto me chama de "arquiteto da novela", porque eu faço esta estrutura, intercalando as diversas tramas fixas e episódicas. Mas, acima de tudo, Insensato foi um folhetim bem brasileiro, com todas as características do nosso gênero. Não se trata de fazer seriado e, sim, novela. O conteúdo foi novelesco, a forma de contar é que foi diferente da convencional. Não se trata de dizer que foi melhor ou pior. Foi apenas diferente e ousada, com qualidade e problemas, como em todas as novelas.
O Planeta TV! - "Insensato Coração" é seu quarto trabalho em parceria com Gilberto. Como funciona essa parceria? Como é a divisão do trabalho entre vocês em relação às escaletas e cenas?
Ricardo Linhares - O ponto de partida foi a história do núcleo familiar de Raul, Wanda e seus dois filhos, Léo e Pedro. Em torno deles, giravam todos os outros núcleos familiares da novela.
Nós escrevemos a sinopse junto com nossos parceiros. O time foi formado por: Angela Carneiro, Fernando Rebello, Izabel de Oliveira, João Ximenes Braga, Maria Helena Nascimento, Nelson Nadotti e Sérgio Marques. Em termos práticos, que é o que as pessoas costumam ter curiosidade em saber: havia uma reunião às terças-feiras, com a equipe, para criar trama. As escaletas foram escritas por mim e pelo João Ximenes. Escaleta é o resumo estruturado de cada capítulo, cena a cena. Depois, eu dividia a redação das cenas entre os escritores da equipe. Nelson Nadotti recebia as cenas dos companheiros, montava e enviava o capítulo ao Gilberto, que fazia a primeira revisão. Toda a equipe lia o capítulo montado, fazia comentários e sugestões. Por último, eu lia e fazia a redação final.
O Planeta TV! - Como você avalia a audiência de "Insensato Coração" que, segundo relatório do Ibope na Grande São Paulo, deve terminar com 36 pontos?
Ricardo Linhares - Insensato é, com folga, o programa mais visto da TV brasileira, atualmente. Cada capítulo tem, aproximadamente, o dobro da audiência da soma de todos os programas concorrentes. Por exemplo, ontem, dia 2 de agosto, foi ao ar o capítulo 170. A novela marcou 44 pontos, com picos de 48, e 66% de share. A segunda colocada, teve 7 pontos. A soma de toda a concorrência no horário foi de 17 pontos.
O Planeta TV! - Esse índice é satisfatório? Atingiu a expectativa?
Ricardo Linhares – Acho que são excelentes números. 66% de share é coisa à beça. Significa que, de cada 100 aparelhos ligados, quase 70 estavam sintonizados na novela.
O Planeta TV! - A entrada de personagens a cada semana deu a sensação de que uma nova novela estava começando. Acredita que isto afetou os índices?
Ricardo Linhares – Em novela, é impossível agradar a todo mundo. Houve quem adorasse a novidade; houve quem reclamasse do ritmo ágil da história. Isso é natural. O público é diversificado, cada pessoa tem uma opinião e todas são válidas. Em parte dos espectadores, houve certo estranhamento inicial pela proposta da narrativa diferenciada. Mas isso não gerou rejeição, só estranheza e, depois, curiosidade. Pequenas oscilações são irrelevantes. No todo, a novela apresentou números ascendentes desde a estreia. .
O Planeta TV! - Como você avalia a atual audiência das novelas? Acredita que o público está mais exigente?
Ricardo Linhares – O público está mais exigente, sim. A audiência está pulverizada entre os canais abertos, fechados e as novas mídias. É um processo saudável, que acontece no mundo todo, não é exclusivo da tv brasileira. O que é um fenômeno brasileiro é um programa ter quase 70% de share como Insensato. Isso não acontece em nenhum outro lugar do planeta que tenha uma televisão comercial competitiva. Mesmo que as novelas não tenham mais a audiência de 10 anos atrás, ainda é o programa que sustenta toda a grade da emissora e tem um público cativo colossal.
O Planeta TV! - Até que ponto a audiência pode influenciar nos rumos de uma novela?
Ricardo Linhares – Tudo influencia os rumos da novela. A opinião dos amigos e familiares, o trabalho dos atores, a intuição dos escritores. Afinal, ela vai sendo escrita à medida em que vai ao ar. E este é o grande barato da novela, ser algo vivo, que pode ser modificado e enriquecido.
O Planeta TV! - Segundo informações do jornal Folha de São Paulo, o personagem André foi rejeitado pelo grupo de discussão. A que você atribui a essa rejeição?
Ricardo Linhares – Não tenho ideia de onde veio essa informação, mas posso garantir que ela não procede. Não houve rejeição alguma ao André. Lázaro é um ator brilhante, deu ao personagem charme, emoção e leveza.
Quem criticou André foi uma parcela racista da imprensa e dos espectadores, que não tolerou ver um ator negro fazer papel de conquistador, rico e bem-sucedido. As espectadoras foram unânimes em aprová-lo, com orgulho de ver um negro fazendo um personagem bem resolvido e que não tem ligação com preconceito racial. Eu ouvi essas afirmações.
Uma das maiores tolices que escrevem sobre a novela diz respeito a uma suposta mudança nos rumos do personagem. Porém, toda a trajetória de André está prevista desde a sinopse, incluindo a descoberta de que tem câncer no testículo e o medo de ficar impotente. Não foi à toa que seu pai morreu de câncer. A paternidade, o amor por Carol e a morte de Gregório fizeram com que André mudasse de pegador para pai de família. É como na vida real, quando determinados acontecimentos fazem com que as pessoas repensem seus valores. André mudou e amadureceu. Mas não virou outra pessoa. Os dois Andrés convivem dentro dele: o que quer ter uma vida em família e o que sente falta da liberdade de solteiro. Agora, ele está em crise monogâmica e esta contradição explode. Por isso, vai trair Carol com Leila, o que também está previsto desde a sinopse.
O Planeta TV! – O que de mais interessante foi descoberto no grupo de discussão. O resultado fez com que alterasse algo na sinopse ou no ritmo da novela?
Ricardo Linhares – Desculpe, mas eu não posso comentar os grupos de discussão. É assunto interno da emissora.
O Planeta TV! – A princípio a novela teria uma passagem de cinco anos, o que acabou não acontecendo. Na prisão de Norma, por exemplo, pode-se observar que a novela se passava em 2011. Foi um erro da produção?
Ricardo Linhares – Nunca foi cogitado da novela ter uma passagem de 5 anos. Norma foi condenada a 6 anos de reclusão e ganhou a condicional depois de cumprir 1/3 da pena, como manda a nossa legislação. O que determinou a passagem de tempo na história foi o período de prisão de Norma e o nascimento do filho de Carol e André. A questão de datas foi apenas um cochilo sem importância da produção.
O Planeta TV! – Comenta-se sobre a falta de química entre Paola Oliveira e Eriberto Leão e até mesmo entre Glória Pires e Gabriel Braga Nunes. Você concorda?
Ricardo Linhares – Eu respeito todas as opiniões e críticas, desde que não sejam feitas com ofensas pessoais (como, infelizmente, algumas vezes acontece). Não sou o dono da verdade; eu acerto e erro, como qualquer pessoa. Mas custo a acreditar que alguém possa achar que não há química entre a Glória e o Gabriel!...
E não concordo que não haja química entre Paola e Eriberto. Os dois são talentosos e lindos. Eu adoro os atores e os personagens. Não se deve pegar a opinião de um determinado grupo e generalizar. Uma parcela dos espectadores nunca compra o casal romântico das novelas. Isso sempre acontece, em qualquer gênero de folhetim. Para ficar num exemplo bem diferente do estilo de Insensato, vamos falar de Terra Nostra. Na época, havia quem reclamasse que Giuliana e Matteo eram chatos e vivivam chorando; e havia quem achasse o máximo aquela história de amor. Numa novela cult como Vale Tudo, o que é que diziam de Rachel e Ivan?
Eu recebo cartas, e-mails e ouço comentários de torcida pelo casal mais do que ouço críticas a eles. Não conheço ninguém que diga: tomara que Pedro morra e Marina termine sozinha. O grande público quer vê-los juntos e felizes no último capítulo, após vencer todos os obstáculos criados pelos vilões. É a base do folhetim.
Ao longo da novela, o público sempre vibra mais com os vilões do que com os mocinhos, porque são os vilões que fazem a novela caminhar, com seus golpes e artimanhas. Mas, no final, todo mundo torce para que os maus sejam punidos e que o bem vença.
O Planeta TV! – A novela decolou a partir do momento que Norma começou a se vingar de Léo. Quais os outros personagens você destacaria?
Ricardo Linhares – Eu acho injusto com um elenco tão bacana destacar personagens.
O Planeta TV - O Vinícius (Thiago Martins), desde o começo, apresenta atitudes de psicopata. Especula-se que ele assassinará o casal gay Eduardo (Rodrigo Andrade) e Hugo (Marcos Damigo). Ele seria capaz desta crueldade?
Ricardo Linhares – Vinícius é capaz de tudo. É um assassino homofóbico. É tão psicopata quanto Léo.
O Planeta TV! - A mídia publicou a sinopse completa da novela, onde constava um "quem matou?" e a vítima seria o Léo. Isto procede?
Ricardo Linhares – Vamos esperar pra ver.
O Planeta TV! - Gilberto Braga se mostrou bastante irritado com o vazamento. O que você acha deste episódio? Que medida vocês tomarão para que as sinopses sejam mais preservadas?
Ricardo Linhares – Vazar é um termo polido. O que houve foi roubo de propriedade intelectual. Por que os veículos que publicaram a sinopse da novela não fazem o mesmo com um capítulo de um livro inédito do Paulo Coelho, sem autorização do escritor? Porque seriam processados. Por que nas resenhas sobre filmes e livros não atencipam o final da história e os segredos da trama? Porque há respeito pelo leitor e pela obra.
Eu sou público e sou noveleiro. Tenho curiosidade em saber o que vai acontecer, mas em linhas gerais e sem tanta antecedência. Sou a favor da informação e da divulgação. Mas tudo tem limite e, neste caso, o limite foi ultrapassado. Que sentido faz, antes da novela estrear, sair que Norma ia se casar com Teodoro, se os personagens nem haviam entrado em cena ainda? Pra que dizer, na primeira semana de novela no ar, que Carol ia namorar Raul, se isso só estava previsto para acontecer a partir do capítulo 100? Antes disso acontecer, havia tanta coisa pra ser curtida na trajetória desses personagens. Como público, eu gosto de ser surpreendido pelas histórias, na hora certa.
Esse tipo de vazamento só serve para alimentar a vaidade de quem consegue informações privilegiadas, numa guerrinha entre veículos da mídia. Enfim, foi uma falta de respeito com os profissionais envolvidos e com o espectador.
O Planeta TV! - O que você gosta de assistir na TV? Acompanha alguma novela?
Ricardo Linhares – Quando estou com novela no ar, não tenho tempo de acompanhar nada. Mas, quando fico de férias, vejo de tudo um pouco. Assisto às novelas, seriados e minisséries, tanto brasileiros quanto americanos, pelas tvs a cabo e comprando as temporadas em DVD.
O Planeta TV! - Teve alguma novela que te marcou ou serviu como inspiração?
Ricardo Linhares – Várias marcaram a minha adolescência. Cito de cabeça, sem ordem: Pecado Capital, Ossos do Barão, O Bem-Amado, Gabriela, Dancin’ Days, Duas Vidas, a primeira versão de A Viagem.
O Planeta TV! - Depois de várias parcerias com o Aguinaldo Silva e Gilberto Braga, você tem vontade de escrever uma novela solo novamente?
Ricardo Linhares – Eu curto escrever em dupla, mas também escrevo solo, com a minha equipe. Todas as minhas parcerias foram felizes. Aguinaldo e Gilberto são dois mestres e companheiros queridos. No trabalho, eu sou organizadíssimo, planejo tudo. Mas na vida eu não faço planos. Sei que não adianta. Como canta o Zeca Pagodinho, eu deixo a vida me levar...
O Planeta TV! – Quais são os seus projetos após o término da novela?
Ricardo Linhares – Voltar a dormir por 8 horas. Durante a novela, minha média de sono foi de 5 horas por noite, de domingo a domingo. Todo o processo que envolve uma novela é muito desgastante, tanto física quanto mentalmente. São tarefas demais, por meses a fio, desde a criação semanal das tramas passando pela pesquisa, merchandising, acertos com a produção até a redação final.
O Planeta TV! – Ricardo, agradeço sua atenção por conceder esta entrevista e esperamos que "Insensato Coração" continue conquistando seus telespectadores.
Ricardo Linhares – Eu é que agradeço a oportunidade deste bate-papo. Sou fã do blog, informativo e sem baixaria. Valeu!
"Insensato Coração", de segunda a sábado, após o Jornal Nacional. O último capítulo será exibido no próximo dia 19!