Atriz transgênero, ela almeja: ‘Que eu possa fazer a diferença na vida de uma pessoa trans, esteja onde ela estiver’.
Em “Mar do Sertão”, Jade Sassará dá vida a secretária Aleluia. Mas, além de atriz, a carioca de 28 anos também é produtora musical, baterista, modelo e ceramista.
Nascida no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio, ela morou em São Paulo e retornou ao Rio recentemente. Foi a moda que fez a atriz se mudar para sampa. Consequentemente a carreira de modelo a aproximou da atuação.
“Modelar fez nascer o desejo de atuar no sentido de pesquisar e estudar o trabalho com meu corpo e a minha imagem. Ajudou e me relacionar com a câmera e compreender a relação da luz com o cenário e a integrar as coisas para fazer uma entrega melhor ao trabalho”, explica.
Jade começou a tocar bateria aos 13 anos e percebeu que as artes sonoras e as artes cênicas são dois pilares fundamentais para ela como artista.
“Durante muito tempo tive dificuldade de entender esse lugar da artista multidisciplinar em mim. Achava que se não fizesse uma única coisa, jamais seria reconhecida. Sempre fui tanto da música como de outras pesquisas do campo criativo. Sempre fui muito experimental, de querer entender a minha forma de me relacionar com o instrumento.”
Durante seis meses a atriz estudou design de som em Nova York, o que a ajudou a desenvolver seu talento para assinar várias trilhas sonoras de peças teatrais.
O convite para mostrar a veia cômica em “Mar do Sertão” a deixou intimidada. Até então Jade não se via como atriz de comédia. Seu desenvolvimento até aqui era o de uma atriz de performance.
“Diria até mais próxima do drama. Mas o convite me instigou. Gosto muito de me sentir desafiada. Está sendo um prazer viver a Aleluia. Dou meu tom cômico de forma gostosa e fluida.”
Atriz transgênero, durante toda a sua infância e adolescência Jade viveu com poucas referências de pessoas trans. Hoje, ela comemora a sua representatividade na TV:
“Mais velha, vivi a benção e a honra de cruzar o caminho de outras travestis, de outras pessoas trans em São Paulo, quando fui morar lá. Elas foram minhas referências e alimentaram a minha coragem para me afirmar e para me reconhecer como pessoa trans.”
“A falta de referência faz a gente viver muita angústia. As referências fazem toda a diferença nesse processo do nosso imaginário, da gente imaginar o que a gente pode ser, o que a gente quer ser. Que corpos estranhos possam habitar lugares para além da violência. Possam habitar lugares de prosperidade, de amor. Lugares de humanidade. Que eu possa fazer a diferença na vida de uma pessoa trans, esteja onde ela estiver.”
Fazer a família aceitá-la foi um processo difícil e delicado, mas que com o passar do tempo vem se tornando mais fácil. Hoje Jade tem o apoio dos pais e das irmãs.
“Nada foi fácil. Mas é um processo que ao longo do tempo foi nos aproximando. As pessoas, pela falta de referência, não sabem lidar com corpos estranhos. O primeiro momento é o luto, uma morte. Foi muito difícil para minha mãe, para o meu pai. A minha relação ficou quebrada com eles no início. Mas temos nos reaproximado.”
O momento mais importante de sua transição aconteceu há quatro anos. Jade estava morando em São Paulo e se reconhecia como uma pessoa não binaria. Usava pronome neutro e esse detalhe foi muito importante para o processo.
“Em 2020 eu comecei a usar nome feminino. Assim, tive mais uma mudança de nome. Essas transições são eternas. Uma das poucas coisas que eu consigo me reconhecer é na mutabilidade, na transmutação das coisas. Sinto que o processo de mudanças e transições é muito constante e muito intenso na minha vida. E isso é delicado na relação das pessoas que cobram sempre um lugar fixo, um lugar permanente.”