João Emanuel Carneiro também admite ser um "analfabeto digital".
Em entrevista à Revista Veja, João Emanuel Carneiro (JEC), autor de Segundo Sol, comentou sobre a controvérsia da falta de negros no elenco e de seu desafio, como "analfabeto digital", de fazer novelas na era das redes sociais. Em certo ponto da conversa, o dramaturgo se diz orgulhoso de ter escrito A Regra do Jogo, sua novela de menor repercussão.
Pergunta da Veja: Avenida Brasil captou a ascensão da classe C. Que país Segundo Sol retrata?
Resposta de JEC: São novelas com propostas diferentes para tempos diferentes. Segundo Sol tece comentários sobre a realidade do país, como no caso do dinheiro apreendido com Severo (a cena com o empreiteiro corrupto vivido por Odilon Wagner remetia às malas de dinheiro encontradas em imóvel do ex-ministro Geddel Vieira Lima). Mas, apesar das brincadeiras com a realidade, Segundo Sol é uma fantasia colorida, sensual, com certa picardia. A Regra do Jogo (2015), meu trabalho anterior, era muito colada ao lado escuro da realidade. É novela que me dá orgulho, mas que se revelou pesada para quem já vivia uma realidade tão difícil. Diziam que era como ligar a TV e ver uma continuação dos escândalos de corrupção que apareciam no Jornal Nacional. Talvez uma trama como aquela viesse a despertar rejeição até maior hoje, com as dificuldades imensas na vida das pessoas.
Pergunta da Veja: Colegas seus como Silvio de Abreu e Aguinaldo Silva já disseram que está difícil, para os ficcionistas, competir com a realidade. Faz sentido?
Resposta de JEC: Realmente, está duro competir com a realidade. Depois de você ver o Museu Nacional pegando fogo — aquele palácio que foi a casa dos reis —, nada mais parece inimaginável. E olhe que eu já tinha achado a eleição do Donald Trump quase a consumação de uma distopia, um filme de ficção científica. Tem-se a sensação de que os eventos se sucedem numa velocidade muito maior do que antes. O ficcionista precisa correr atrás para não ficar obsoleto.
JEC comentou sobre o término de Segundo Sol:
Outro dia, uma caixa de supermercado me falou: “Ah, por que Segundo Sol já vai terminar em novembro? Podia ir até janeiro”. Dá vontade de matar a pessoa que diz isso. Tenho de terminar essa novela em algum momento. O noveleiro luta para pôr sua novela no ar, e depois para sair do ar. Você quer que aquilo acabe um dia. Eles falam assim porque sentem como se a novela fosse deles.
Novela é como se fosse um serviço público. As pessoas nos cobram como se reclamassem de ter acabado a água encanada em casa. Acho engraçado quando o povo diz: “Mas que porcaria, a Luzia (mocinha vivida por Giovanna Antonelli) foi enganada de novo”. Como se a pessoa não tivesse outra opção na vida a não ser ver novela. Ela poderia fazer qualquer outra coisa: cozinhar, dar um passeio, navegar na internet. Quem escreve novela, ainda mais a do horário das 9, tem de ter a humildade de reconhecer que a está fazendo para os outros. Você entra nas casas, hospitais, até em presídios. É impressionante. Se penso muito nisso, fico paralisado. É um peso enorme.
Sobre Luzia (Giovanna Antonelli) ter sido criticada por sua burrice...
JEC comentou: Se fosse assim, não poderia haver Quincas Borba, personagem do Machado de Assis que era enganado. Nem Branca de Neve, que come a maçã depois de já ter sido enganada pela rainha. A internet propiciou um patrulhamento da profissão de novelista quase insuportável. É um trabalho desumano. Você apanha carregando um piano, não descansando na praia. Os haters da internet se promovem falando mal de mim. Adoro quando levam pito dos meus fãs.
A Revista Veja questionou se JEC continua distante das redes sociais. Segundo Sol trouxe um ex-ídolo do axé que passou anos vivendo sob outra identidade quando qualquer um em Salvador poderia desmascará-lo dando uma olhada no Google. Também houve um recado crucial deixado numa secretária eletrônica de telefone na era do WhatsApp...
Eu tenho fax ainda. Só faço cheque, não sei fazer transferência eletrônica. E fui provavelmente das últimas pessoas a entrar na internet no Rio de Janeiro. Mas tenho uma missão: neste mês, juro que vou conseguir finalmente entrar no Spotify. Para mim, o máximo como ser humano será botar uma música para tocar no meu celular com Bluetooth.
Sobre a obra ter sido acusada de não ter negros...
JEC justifica: Acho que sim. Reconheço que foi uma falha. Eu deveria ter sido mais atento à questão da representatividade racial, ainda mais se tratando de uma novela que se passa em Salvador, uma cidade de maioria negra tão evidente. Agora, escrever novela é um trabalho feito de cambulhada. É na urgência do momento. Então você comete erros. Simples assim. Ainda mais nesse caso, em que minha entrada no ar foi antecipada em vários meses e o elenco teve de ser escalado às pressas.
Por fim, o dramaturgo comentou sobre o público conservador: “Não vejo mais conservadorismo. No fundo, o público de TV é como criança: se você encaminha a trama de forma palatável, ele está aberto a temas controversos. Mas no horário das 9, com toda a família diante da TV, pé na porta não dá. Tem de ter sensibilidade.”
“Segundo Sol” foi escrita em parceria com Márcia Prattes e teve a direção geral de Maria de Médicis e Dennis Carvalho. O último capítulo da novela será exibido no próximo dia 9, sendo sucedida por O Sétimo Guardião, de Aguinaldo Silva.