Um dos grandes sucessos da teledramaturgia está de volta a partir de 31 de março.
Um dos grandes sucessos da teledramaturgia está de volta a partir de 31 de março. Como um bom clássico que merece ser revisitado, Vale Tudo, novela de 1988 escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, retorna com novos rostos para personagens que ficaram marcados na memória do público. Coube a Taís Araujo, Bella Campos, Paolla Oliveira e Debora Bloch a missão de dar uma nova cara (e uma nova narrativa) para um quarteto de peso: Raquel Acioli, Maria de Fátima, Heleninha Roitman e Odete Roitman.
Em entrevista ao site da Globo, a atrizes falam dos desafios de recontar uma novela, criando uma nova história. Vale Tudo pode ser um remake, mas este remake chega com gostinho de novidade.
A chegada de Raquel na vida de Taís Araujo foi um verdadeiro presente. Justamente no ano em que a atriz completa 30 anos de televisão, caiu em seu colo uma personagem que, como ela mesma diz, é cheia de conflitos e uma verdadeira “chave de cadeia”.
Uma personagem boa, rica dramaturgicamente, é personagem que tem conflito e a Raquel só tem conflito”, vibra ela.
E pensar que Taís chegou a recusar esta personagem. Em uma conversa com o diretor de Dramaturgia da TV Globo, José Luiz Villamarim, a atriz pediu uma vilã e recebeu esta heroína de presente. Com uma série de protagonistas marcantes em seu currículo, a atriz sabe que Raquel tem um peso especial, afinal é um marco nas novelas brasileiras.
“Eu ainda estou tentando entender. Quando acontecem essas coisas na minha vida, e não acontece pouco, nunca gosto de mensurar e botar no lugar que elas realmente ocupam, porque, no fundo, eu vou ter que trabalhar, só isso. Como a grande, como a pequena, como mediana”, diz.
“É o trabalho que vai fazer com que eu realize qualquer personagem, de qualquer tamanho, em qualquer lugar. Então é lógico que eu fico feliz de ter uma personagem que me proporcione tantas possibilidades. Muito feliz”, destaca.
Uma atriz preta interpretar uma personagem que se tornou ícone na pele de uma atriz branca é outro feito que não se pode ignorar. A carreira de Taís está repleta de marcos: ela foi a primeira protagonista negra na TV, na TV Globo, na faixa das 21h e ainda tem o título de ser a primeira e única Helena negra da Manoel Carlos. Para Vale Tudo, ela sabe que a cor da sua pele e sua vivência darão um novo olhar para a sua Raquel.
Quando leio as cenas da Raquel, não tenho dúvida de que é uma mulher preta, com todas as questões que atravessam ela, todas as dificuldades, é uma mulher que está na base da pirâmide e construindo esse país com muita dificuldade.”
Taís mergulhou fundo para criar a sua Raquel. Antes mesmo das preparações na TV Globo começarem, ela já estava se preparando com imersões no Rio de Janeiro e em São Paulo com diversos profissionais.
“Fiquei uns dez dias fazendo uma preparação que era, na verdade, uma coisa que eu nunca tinha feito. Era como se fosse uma limpeza, tipo ‘vamos tirar todos os vícios, faço televisão há muito tempo, vamos fazer como se fosse uma aula de teatro do início e tirando todos os vícios, vendo outras perspectivas de interpretação, outras maneiras, referências’. E muita aula de corpo”, lembra.
Depois, já nos Estúdios Globo, começaram as preparações com os colegas de elenco e, mais uma vez, com muita imersão para deixar a Raquel “palpável”.
Muitos são os adjetivos que Taís tem para sua personagem. Humana, simples, sincera, alegre, forte. Um substantivo ela faz questão de ressaltar: mãe. E ai de quem criticar Raquel Acioli por cair no papo da filha pilantra:
Ela não é boba, não é burra. É uma mulher que acredita na vida, que tem muita fé na vida. Eu falei que ela não é burra, porque muitas vezes as pessoas falam ‘mas ela é burra, ela não vê que a Maria de Fátima...’ Não, ela não é. Ela é mãe, ela é mãe e as mães não são burras. As mães são mães!”
O desejo de Bella Campos de interpretar uma vilã em seu terceiro trabalho em novelas se tornou realidade com a Maria de Fátima. Uma espécie de amor à primeira vista ao ler os textos para fazer os testes para o papel.
Eu me encontrei com ela em algum lugar. Sinto que tinha necessidade de fazer essa vilã e foi muito gostoso este encontro com Maria de Fátima. Acho que a gente se encontrou mesmo.”
Bella lembra, inclusive, de uma saia que colocou para fazer um dos testes e sentiu que a peça já era da personagem e que as duas já estavam interligadas. Para conquistar o posto de Maria de Fátima, uma das vilãs mais amadas (ou odiadas?) do Brasil, ela penou . Foram dois testes e muita preparação.
"Como era uma personagem bastante complexa, quis estudar ela bem profundamente antes de fazer o teste para que, quando chegasse nesse momento, eu já tivesse alguma coisa para oferecer ali que pudesse ser o caminho dela.”
Bella lembra também do nervosismo ao fazer o segundo teste com Taís Araujo, sua mãe na ficção:
“Eu estava muito nervosa, e ela estava muito tranquila. Eu ficava mais nervosa ainda, e ela muito calma. Mas foi incrível”, conta aos risos.
As primeiras gravações de Vale Tudo começaram no final do ano passado em Foz do Iguaçu, no Paraná, justamente onde a história começa. É lá que Maria de Fátima dá seu primeiro golpe ao vender a casa da família e fugir para o Rio de Janeiro, deixando a mãe literalmente sem teto. É lá também que ela conhece César, personagem de Cauã Reymond que será seu amante e parceiro de falcatruas. Bella exalta a química com os dois atores:
“Acho que está acontecendo uma conexão em cena entre a gente muito interessante. Parece que já faz muito tempo que estamos gravando e, na verdade, a gente começou há alguns meses. É muito divertido. Com os dois tem muito jogo de cena, tem muita diversão no set, tem dedicação. Está muito legal.”
Bella sabe a responsabilidade de fazer jus a uma intepretação impecável, como ela mesma diz, de Glória Pires na primeira versão. Assim como Taís Araujo, ela também tem na cor de pele um dos diferenciais desta nova versão.
“Vejo isso como um grande avanço, acho que é o resultado de muita luta de todos os atores e atrizes pretos durante todos estes anos e que, por muito tempo, foram induzidos a papeis sempre estereotipados. E hoje, depois de toda esta luta, a gente pode ocupar espaços que não necessariamente foram desenhados para nós lá atrás”, diz.
Se Maria de Fátima é uma filha desnaturada, Heleninha é uma filha atormentada da outra grande vilã de Vale Tudo, Odete Roitman. Paolla Oliveira tem muito orgulho de ter ido atrás desta personagem e faz questão de dizer que fez teste, sim, para o papel.
Eu busquei Heleninha, eu queria e fui atrás dela. Eu não era uma pessoa pensada para fazer a Heleninha. Falei: ‘Posso tentar? Quero fazer o teste'. Então eu fui atrás dela.”
Mesmo já tendo sido policial, influencer, vilã e atuado em novela de época, interpretar Heleninha Roitman ainda é um passo e tanto na trajetória de Paolla Oliveira.
“Eu acho que selar a minha carreira com uma personagem que já foi feita com tanta grandiosidade pela Renata Sorrah. E não só isso, falando de dramas muito mais profundos. Mesmo que a gente esteja falando de novelas, novela chega para o nosso Brasil inteiro, em cada canto do país. Então, chegar para esse mesmo público, que me assiste há tanto tempo, com uma personagem com dramas tão profundos é selar minha carreira de um jeito muito especial. Por isso que eu fui atrás dela”, diz.
O alcoolismo, doença que aflige a personagem, volta a entrar em cena. Mais de três décadas separam as duas versões de Vale Tudo, o mundo mudou e, hoje em dia, se tem um novo olhar sobre o tema. Paolla acredita que esta nova visão traga mais identificação com a luta de Heleninha para superar a doença.
“Tenho a impressão que há 30 anos a gente conseguia até rir de algumas coisas, dos porres, porque era ‘a alcoolista’, tinha um distanciamento, era uma doença distante. E agora, nesse mundo que a gente vive, onde todos somos compulsivos por alguma coisa, fica difícil a gente se distanciar tanto", reflete.
Paolla frequentou reuniões dos Alcoólicos Anônimos e considera esta experiência muito especial, tanto para sua Heleninha como para ela mesma.
“Eu lidei diretamente com as pessoas muito parecidas com a Heleninha, tentando sobreviver a essa doença.”
“Olhando a Heleninha, comecei a ver que eu tenho muita coisa para agradecer, porque não é fácil o que ela passa. Comecei a entender que a gente, às vezes, aponta as pessoas como frágeis, como pessoas fracas, e a gente nem entende a força que elas têm para sobreviver nessa vida que não é fácil.”
Mas a Heleninha não é apenas uma alcoolista, ela tem muito mais camadas, e Paolla quer explorar isso.
“Eu acho a Heleninha agora, olhando 30 anos depois, muito mais forte do que as pessoas viam. E é assim que eu quero mostrar. Quero emprestar um pouco da intensidade da Paolla. Acho que essa mulher pode vibrar, pode ser linda, pode ter humor. Ela é uma pessoa que existe fora essa doença e que viva, nessas brechas, o melhor dela”, pontua.
Heleninha também é uma artista plástica, e a atriz mergulhou neste universo. Além de pesquisar as obras de grandes artistas, principalmente a uruguaia Stella Margarita, cujas obras aparecerão na novela como sendo de Heleninha Roitman, Paolla teve também aulas práticas.
“Foi uma delícia participar e ver como é que a Heleninha ia pintar as suas telas e como é que era emocionalmente para ela estar com essas obras fazendo parte da vida dela. Foi ótimo.”
E finalmente chegamos nela! A grande vilã de Vale Tudo: Odete Roitman. Ou melhor, Debora Bloch. Houve muita especulação para saber quem faria a poderosa empresária, temida por todos, que nutre um desprezo pelo Brasil e é capaz de tudo para conseguir o quer. Por algum tempo, Debora Bloch precisou guardar este “segredinho”. Quando seu nome foi anunciado, ela ainda estava gravando No Rancho Fundo e lembra a reação de seus colegas:
“Assim como eu comemorei, todo mundo em minha volta comemorou também. Foi até engraçado, porque eu estava gravando No Rancho Fundo e tinha esta expectativa de quem ia fazer a Odete Roitman. Quando anunciaram que seria eu, o elenco todo comemorou, todo mundo comemorou, foi lega. Foi uma festa", lembra.
Como a temida vilã entra um pouco mais para frente na trama, Débora ainda está começando a gravar. Mas a expectativa de seus colegas de elenco para atuar com ela já é grande. Mesmo fora do set, ela já estava vivenciando sua Odete com ensaios e muitas leituras, e se deliciando com a personagem:
É um prato cheio para uma atriz. Uma personagem rara. Existem personagens que são especiais, e acho que a Odete Roitman é uma delas. Agora a gente sabe que ela virou uma personagem clássica da teledramaturgia. E, como todo personagem clássico, é um prazer para uma atriz fazer.”
Ela faz questão de elogiar o texto da autora Manuela Dias e se diverte com as falas absurdas da personagem:
“Está sendo muito interessante e muito rico, porque é um texto muito bom, uma trama muito bem construída e uma personagem muito bem construída. Está tudo ali já no texto, você tem um material muito rico para trabalhar.”
“Estou me divertindo, porque além de tudo ela é divertida. Ela fala barbaridades como se fosse a coisa mais normal do mundo, chega a ser engraçado, porque ela tem uma ironia, um sarcasmo. Tem sido muito divertido”, diz.
Divertimentos à parte, a atriz enxerga muitas “Odetes” na vida real.
Ela é uma alegoria de um tipo de pensamento que a gente reconhece no Brasil. Tem um comportamento e um discurso que a gente reconhece por aí, que infelizmente ainda existe no país e no mundo. Este tipo de pensamento preconceituoso, muito conservador, que coloca os interesses dela acima de tudo.”
“A Odete é uma puta personagem, é uma personagem que é um retrato de uma classe brasileira que despreza o Brasil e, ao mesmo tempo, se beneficia dele, suga suas riquezas. Ela é infelizmente muito atual.”
'Vale Tudo’ é escrita por Manuela Dias, com colaboração de Aline Maia, Luciana Pessanha, Sérgio Marques, Claudia Gomes, Márcio Haiduck e Pedro Barros, baseada na obra de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères. A pesquisa é de Luciane Reis. A novela tem direção artística de Paulo Silvestrini, direção geral de Cristiano Marques e direção de Augusto Lana, Fábio Rodrigo, Isabella Teixeira, Matheus Senra e Thomaz Cividanes. A produção é de Luciana Monteiro, a produção executiva, de Lucas Zardo e a direção de gênero, de José Luiz Villamarim.