Ele passou a infância acompanhando de perto o avô, Benedito Ruy Barbosa, escrever algumas das mais memoráveis novelas do Brasil.
Bruno Luperi passou a infância acompanhando de perto o avô, Benedito Ruy Barbosa, escrever algumas das mais memoráveis novelas do Brasil. Em 2014, deixou a carreira publicitária para dedicar-se exclusivamente à dramaturgia. Fez a sua estreia na televisão dois anos mais tarde quando, ao lado de sua mãe, Edmara Barbosa, escreveu a novela ‘Velho Chico’. Desta forma, se tornou, aos 28 anos, um dos mais jovens autores a escreverem para o horário nobre. Em 2020, Bruno foi convidado para escrever a adaptação da novela ‘Pantanal’, um clássico da teledramaturgia, escrito por seu avô, e exibida pela primeira vez em 1990, na extinta Rede Manchete.
Seu avô, Benedito Ruy Barbosa, escreveu ‘Pantanal’ há mais de 30 anos. Agora, você recebe a missão de escrever uma nova versão da novela. O que o público pode esperar?
Para mim, o pilar central dessa adaptação é preservar a história que foi contada há 30 anos. Ela tem de ser traduzida para os dias de hoje, para os conceitos e valores de hoje. Muitas coisas nesses 30 anos ficaram para trás, mas a essência da história permanece a mesma. É sobre afeto, relações familiares, uma grande saga familiar, e fala sobre a relação do homem consigo mesmo, com o meio ambiente, com o meio onde está inserido, sobre contratos sociais. É uma trama muito pertinente e ela foi pertinente 30 anos atrás porque, na época, foi contemporânea. Hoje, para ela ter a mesma força e o mesmo significado que teve, precisa ser fresca e moderna, ressignificando alguns assuntos e tentando traduzir esse espaço para o qual ele foi proposto para os dias atuais.
Sobre o que fala ‘Pantanal’?
‘Pantanal’ é uma saga familiar, uma trama sobre encontros e desencontros. Uma história com poucos personagens para o padrão de hoje, mas muito densa na intimidade de cada um deles. Ela traz o choque de cultura entre o mundo urbano e rural; e resgata heróis, uma característica muito forte da obra do meu avô, esse caráter épico, que fala muito sobre valores. São personagens inspiradores, como o José Leôncio, que te faz acreditar que o mundo pode ser melhor, que existem pessoas que são corretas, dignas. O fio central de ‘Pantanal’ é a relação do José Leôncio com o pai, o velho Joventino, que na segunda fase passa para a relação de José com o filho, Jove. Ele quer ser para o filho o que o pai foi para ele. Ao longo da vida, cumpre todas as funções paternais, mas esquece de colocar o afeto no meio. Ele cumpre as obrigações enquanto pai divorciado, acha que está tudo em ordem, mas falta o amor.
Como a natureza é abordada na novela?
‘Pantanal’ permite esse mergulho no Brasil profundo, nesse universo forte da cultura pantaneira, de peão de boiadeiro, na cultura das mulheres. A maior força dessa novela é colocar a natureza como protagonista. Na trama, o Pantanal determina a vida de todo mundo, todos os personagens e essa é a grande mensagem. Tudo começa com o velho Joventino, que entende que não precisa dominar o boi, ele entende que não tem domínio sobre a natureza, e por isso se entrega à ela. E daí surge o Velho do Rio, que está ali como maestro, conduzindo aquele espaço para que funcione de maneira mais digna. Dele vem os diálogos mais importantes sobre a conexão do homem com a natureza, sobre essa reconexão.
Houve muitas mudanças no comportamento da sociedade de 30 anos para cá. No que diz respeito ao machismo e à pauta feminista, como esses temas foram abordados?
Procurei ser honesto na trama e também responsável. O público verá situações de machismo porque elas existem, mas verá também personagens contestando essas falas e atitudes. Jove e Guta são personagens que trazem bastante essa conversa, são as vozes dos novos tempos. Procurei legitimar as personagens femininas, trazer luz para as questões que envolvem elas e para a força que elas têm. A Filó tem uma força brutal, a Irma, a Madeleine e a Mariana seguram uma barra, a Guta tem uma função naquele universo e isso não pode passar sem a devida importância, assim como as mulheres que vivem na tapera. Dentro dessa história, temos a Maria Bruaca. Para esse núcleo que está ao redor do Tenório, foi preciso um olhar delicado. O Tenório é um vilão tão possível, tão frequente... São muitas as mulheres que se submetem a esse jogo como a Maria Bruaca. E essa história permite uma grande emancipação. Queremos fustigar mudança. A novela permite isso. São vários os temas que vamos abordar e estamos fazendo isso com muita responsabilidade, com um estudo grande por trás, buscando argumento com uma equipe muito competente.
Algo mudou da Juma de Benedito para a Juma do Bruno?
Não de essência. A Juma da essência do meu avô é minha Juma. Enxergo muita beleza ali! Gosto dela mais bicho e menos mulher. Eu vejo o Jove como um corpo masculino, sem nenhum problema com a sexualidade dele, mas com a essência do que a gente entende que é mulher. Ele é criado por três mulheres no Rio de Janeiro, tem espaço para ser mais sensível, mais empático, tolerante”. A Juma não tem medo de ser masculinizada, de ocupar um espaço mais forte na relação, enquanto Jove não se incomoda em ocupar o extremo oposto.
‘Pantanal’ é escrita por Bruno Luperi, baseada na novela original escrita por Benedito Ruy Barbosa. A direção artística é de Rogério Gomes, direção de Walter Carvalho, Davi Alves, Beta Richard, Cristiano Marques e Noa Bressane. A produção é de Luciana Monteiro e Andrea Kelly, e a direção de gênero é de José Luiz Villamarim.