Confira uma entrevista com Claudia Souto e André Câmara, autora e diretor artístico.
‘Volta por Cima’ conta a história de dois brasileiros. A de Madalena (Jéssica Ellen), a Madá, uma jovem mulher batalhadora que teve que adiar seus sonhos pessoais para ajudar a sustentar a família. Apesar das dificuldades, ela não esmorece diante das lutas diárias e vislumbra no empreendedorismo um futuro mais próspero. E a de Jorge, conhecido como Jão (Fabrício Boliveira), um jovem que começou como trocador de ônibus, se esforçou para conquistar o sonhado diploma de Administração e agora almeja um cargo melhor na empresa, mas é preterido pela indicação de um amigo da mulher do patrão. Madalenas e Jãos existem aos milhares no Brasil: pessoas que buscam diariamente uma vida melhor para si e suas famílias e precisam “se virar” diante dos desafios que o destino traz. E são elas que inspiram a próxima novela das sete da TV Globo.
“Estou trazendo uma história que é muito possível de acontecer com qualquer um, nas relações familiares ou no contexto do trabalho das pessoas. A minha inspiração para essa novela veio no contexto da pandemia, com a observação do que a gente estava vivendo, tanto das pessoas próximas quanto dos noticiários. Comecei a prestar muita atenção na discussão ética nas famílias com relação a dinheiro ou a bens. Então, quis muito falar disso”, conta Claudia Souto.
A autora define a novela como uma trama sobre conquistas e o preço que estamos dispostos a pagar por elas. E também sobre dinheiro, e se ele pode estar acima dos laços familiares. Com doses de romance, humor e ação, ‘Volta por Cima’ promete identificação com muitos brasileiros. Ambientada no Rio de Janeiro, a obra tem núcleos em um bairro fictício do subúrbio, além de abordar os universos de uma empresa de ônibus e do empreendedorismo feminino.
Na trama, os protagonistas Madá e Jão, se aproximam em função de uma fatalidade que muda para sempre a vida da família de Madalena. Seu pai, o motorista de ônibus Lindomar (MV Bill), está prestes a se aposentar. Mas, no seu último dia de trabalho, um acidente o impede de gozar de um prêmio milionário. A história ganha outros contornos quando Osmar (Milhem Cortaz), o tio folgado de Madá, descobre sobre o bilhete premiado e faz de tudo para abocanhar o dinheiro a fim de se safar de uma dívida de vida ou morte. “A história fala sobre os resultados das nossas escolhas. Teremos a Madá e o Jão como representantes do povo que luta e batalha com o otimismo e com ética para chegar a suas conquistas. E também aqueles que escolhem outros caminhos”, resume o diretor artístico André Câmara.
É essa reflexão que se apresenta ao longo dos capítulos: enquanto a ética norteia a decisão de alguns, outros não resistem aos caminhos amorais, mesmo que isso signifique passar por cima da família e da lei. E afinal quem dará de fato a ‘Volta por Cima’?
Mudança de rota
Quando a novela começa, a família de Madá comemora a aposentadoria de Lindomar. Preparam uma festa em casa com os amigos da Viação Formosa para celebrar seu último dia de trabalho e os anos de dedicação como motorista de ônibus. É Madá quem cuida dos itens da decoração. A caminho do trabalho, com o amigo Jayme (Juliano Cazarré), Lindomar tenta a sorte com a compra de um bilhete para concorrer a um prêmio, que, por coincidência, tem o número de sua matrícula na empresa, o que tem um significado a mais neste dia tão especial.
Mas o destino o impede de gozar do prêmio milionário que seria dele: Lindomar se sente mal ao volante, o que causa um acidente que poderia ser muito mais grave, não fosse a forma com que Jão conduz a situação. O veículo ameaça despencar de um viaduto, e o colega de anos de Lindomar, que fez questão de acompanhar a viagem de despedida do amigo, lidera uma manobra que salva os passageiros a bordo. Madalena, que também está no ônibus, pois havia ido ao encontro do pai para levar o escapulário que ele esquecera, se desespera com a situação. O desfecho se torna um dos momentos mais difíceis da sua vida. Lindomar não resiste, e a vida de Madá, assim como a de outros personagens da história, precisa ganhar outros rumos.
Ela passa a chefiar a casa com coragem e resiliência, já que a mãe, Doralice (Tereza Seiblitz), tem uma grave doença no coração e a irmã, Tati (Bia Santana), ainda é adolescente. Para ela, não há lugar para a tristeza quando se é filha de um cara que tinha tanta alegria na vida. Nas longas conversas que teve com Lindomar, ela diz sentir que ainda vai encontrar sua vocação, o caminho que vai abrir uma porta de oportunidades para a vida próspera que quer construir para si e sua família. Ela vai se virando como pode, vendendo as roupas de ginástica que Doralice costura, e logo vislumbra empreender com ‘Pegue e Monte’, um negócio no ramo de eventos. Começa montando pequenos kits de decoração de festas, mas seu caminho a levará longe. Enquanto parte da família precisa batalhar para seguir em frente, Osmar passa a viver uma vida de luxo após roubar o bilhete premiado do cunhado e abocanhar o dinheiro, que lhe safa de uma dívida de vida ou morte.
Folgado, o irmão de Doralice mora de favor na casa da família e se faz de coitado para que os parentes o acolham. Madá, no entanto, olha com desconfiança para as atitudes do tio, que chegou para passar um fim de semana e não saiu mais. Se alguém questiona por que ele não procura um emprego, logo se queixa da dificuldade de conseguir um bom trabalho. Para Osmar, nada está bom, nada nunca é suficiente. Ele quer uma vida que não pode ter, mas diz que um dia terá tudo o que sempre sonhou.
Osmar acaba não sendo uma boa influência para Tati, a filha temporã que Lindomar e Doralice não esperavam ter. Muito jovem, a menina ainda está formando seu caráter. Algumas vezes dá razão à irmã sobre ser honesta e batalhar pelo que quer, mas, em outras, é seduzida pelo jeito folgado que o tio Osmar tem de conseguir o que quer manipulando as pessoas. Ao longo de sua trajetória, ela terá que moldar sua índole e descobrir quem é na sua essência. A adolescente foi pega pela onda coreana dos K-dramas, ela é louca pelas séries que assiste pelo celular.
Caminhos opostos
Namorados desde a juventude, Madá e Chico (Amaury Lorenzo) ficaram noivos, mas não conseguem marcar o casamento: toda vez que escolhem uma data, algo acontece com o rapaz que impede a realização da cerimônia. O casal segue junto porque, ao longo dos anos, Chico se tornou um porto seguro para a namorada, e vice-versa. O que a filha de Lindomar não imagina é que Chico se relaciona também com Roxelle (Isadora Cruz) e todo dia é pressionado pela amante para que termine o noivado. Apesar de viver dividido entre as duas mulheres, o noivo de Madá tem um bom coração e não quer magoar ninguém.
Enquanto Madá é calmaria e aconchego para Chico, Roxelle é um furacão. A jovem é funcionária na lanchonete em que trabalha Neuza, mãe de Jão, no ponto final dos ônibus da Viação Formosa. Por ter um caso em segredo com Chico, ela se comporta como uma solteira convicta para quem a conhece, mas não vai sossegar enquanto a aliança que está na mão direita de Madalena não passar para a sua. O que, se depender da vontade de Seu Moreira (Tonico Pereira), pai de Chico, nunca vai acontecer.
Sentido proibido
Osmar vive uma relação amorosa com Violeta Castilho (Isabel Teixeira), viúva de um grande contraventor e mãe de Renato Castilho (Rodrigo García), conhecido como Baixinho. Respeitado e temido na região por ser implacável na cobrança das dívidas de seus credores e com quem se mete no seu caminho, Baixinho se tornou um sujeito frio e violento no comando dos negócios de contravenção e agiotagem deixados pelo pai falecido.
O contraventor não gosta de saber sobre a relação da mãe com o amante, e com a ajuda dos capangas Jô (Vitor Sampaio) e Cacá (Pri Helena) resolve cobrar uma dívida alta pelos presentes que Violeta deu a ele e que Osmar, obviamente, não tem como pagar. Quando o tio de Madá descobre a existência do bilhete premiado que Lindomar ganhara no dia de sua aposentadoria, passa a ver na “sorte” alheia a única salvação para a sua vida, pois ele sabe que, para os Castilho, vale o que está escrito!
A família mora em um casarão no subúrbio do Rio, rodeado por seguranças. Cacá (Pri Helena) vive uma dupla identidade: para a mãe, Ana Lúcia (Iara Jamra), funcionária da Viação Formosa, e para os amigos, diz que trabalha como cuidadora, já que fez curso técnico de Enfermagem. Ela está sempre na companhia de Jô (Vitor Sampaio), que se tornou um homem de confiança da dinastia de contraventores.
Próxima parada: a mansão dos Góis de Macedo
A trama cruza a cidade até chegar à mansão dos Góis de Macedo. Os caminhos dos protagonistas acabam se cruzando com o da família em situações particulares: Gigi (Rodrigo Fagundes) é um dos passageiros do ônibus conduzido por Lindomar no dia do acidente que marca o começo da novela. E mais adiante, passa a fazer parte da trajetória de Madá como empreendedora.
Na mansão da família Góis de Macedo, os tempos de fartura e glamour ficaram no passado. Hoje, os irmãos de uma tradicional família carioca, Belisa (Betty Faria), Joyce (Drica Moraes) e Gigi (Rodrigo Fagundes), não podem mais ostentar a vida de luxo que tinham. Eles, que nunca trabalharam e torraram todo o dinheiro que herdaram, agora tentam se desfazer de algumas antiguidades que restam na casa. Quem também resiste à decadência da família é Sebastião, o Sebastian (Fábio Lago), único funcionário que ficou na casa, e com o trabalho acumulado.
Belisa conserva a elegância que adquiriu em sua formação e tenta ser influencer de etiqueta nas redes sociais. Enquanto isso, Joyce não se conforma com a situação financeira da família e odeia que a liberdade de sua vida adulta seja cerceada pela falta de dinheiro. Sofre ainda com uma frustação do passado: quando jovem foi impedida pelo pais de viver um amor em função das diferenças de status social. Depois disso, nunca mais amou ninguém. Também não nota a paixão platônica que Sebastian nutre por ela.
Já Gigi, o caçula, cola em amigos para usufruir dos privilégios que não tem mais. Está em todos os eventos da hight society que descola. É figura amada e odiada por quem o cerca, já que tem sempre um comentário ferino. Tem como grande amiga Silvinha Pires de Saboia (Lellê), uma jovem criada na Europa, onde moram seus pais.
Dona de um grande patrimônio, Silvinha decide voltar a viver em seu país e tem sempre por perto a secretária Yuki Tamura (Jacqueline Sato). Entre outras várias empresas, ela administra uma academia, onde conhece Nando Bacelar (João Gabriel D’Aleluia).
Os donos da frota
A Viação Formosa, empresa de ônibus do subúrbio do Rio de Janeiro, é administrada por uma família que promete dar o que falar: os Bacelar. Edson Bacelar (Aílton Graça) herdou do pai o negócio e quer preparar Nando (João Gabriel D’Aleluia), seu filho, para dar continuidade ao posto, assim como aconteceu com ele.
Os Bacelar são muito ricos, mas Edson só é levado à ostentação quando acompanha Rosana (Viviane Araújo), sua esposa, em alguma festa ou evento chique da cidade. O casal se conheceu quando Rosana era rainha de bateria de uma escola de samba, mas, ao se casarem, Edson pediu para que deixasse o posto. Foi nessa época que ela conheceu Rique (Márcio Machado), um carnavalesco de uma agremiação da segunda divisão, e se tornaram muito amigos. A carreira de Rique como carnavalesco acaba quando a escola cai mais uma divisão e ele perde o emprego, o que o leva a recorrer à amiga para pedir um trabalho na Viação Formosa, o que impacta os planos de Jão na empresa.
Nando cresce tentando corresponder às muitas expectativas que os pais depositam nele. Cursando Administração para satisfazer Edson e treinando e se cuidando esteticamente para agradar à mãe, o rapaz não consegue se ajustar consigo mesmo. Até que conhece a personal trainer Miranda (Gabriela Dias). A moça percebe nele um potencial que até então Nando não tinha visto: o de se tornar um fisiculturista.
Embarque na Viação Formosa
É grande a movimentação na Viação Formosa. A frota da empresa de ônibus sai bem cedo da garagem no subúrbio do Rio de Janeiro e cruza a cidade, trazendo um recorte da rotina do transporte urbano carioca. Jão chegou à Formosa jovem: aos 18 anos, o filho de Neuza conseguiu emprego na firma, e sua dedicação o fez subir de posto, conquistando o atual cargo de fiscal.
Da sala de monitoramento das frotas, nada escapa à atenção da funcionária Vanilda (Aldeia). Ela é a responsável por acompanhar o vai e vem dos ônibus nas ruas. Fofoqueira nata, dizem que monitora não só os ônibus, mas também a vida de todo mundo ali. É na sede da empresa que fica também Ana Lúcia (Iara Jamra), encarregada pelos serviços gerais, Alberto Fontoura (Chao Chen), um dos funcionário mais antigos e de confiança de Edson no gerenciamento da empresa, quase sempre acompanhado de Beth (Bia Guedes), a secretária do dono da empresa.
Vizinho de Lindomar e casado com Tereza (Claudia Missura), Jayme (Juliano Cazarré) também é motorista na Viação Formosa. Embora mais novo que o amigo, vivenciou as várias transformações que o transporte sofreu nas últimas décadas. Como aconteceu com Sidney (Adanilo), que começou como trocador, função que deixou de existir nas empresas do Rio de Janeiro, e atualmente é motorista. Ele tem interesse em Cida (Juliana Alves), também motorista, melhor amiga de Madá e mãe de Lucas (Caique Ivo).
BASTIDORES
O subúrbio da Vila Cambucá
Na Vila Cambucá, bairro fictício do subúrbio do Rio de Janeiro, vive parte dos personagens desta trama. Embora situada em território carioca, ele carrega traços de muitos subúrbios do país. “Optamos por contextualizar a trama nessa região porque o subúrbio carioca se interliga com os subúrbios de todo o Brasil. Então, a gente acaba dialogando com todo mundo”, conta a autora Claudia Souto.
A cidade cenográfica de Vila Cambucá construída nos Estúdios Globo é inspirada em bairros como Madureira, Marechal Hermes, Cascadura e Bento Ribeiro, trazendo as referências das ruas pacatas de casas com quintal e muro baixo, que ganham cores vibrantes na história de Claudia Souto. O bairro ainda abriga um comércio efervescente, com lojas populares e um grande mercadão – inspirado no famoso Mercadão de Madureira, um complexo de lojas localizado no Rio –, além de bares, pet shop e padaria. As ruas também são ocupadas pelo comércio ambulante, que divide o espaço do vai e vem das calçadas.
Manifestações culturais comuns do subúrbio do Rio fazem parte da rotina dos personagens. Jão traz no peito as paixões pela música e o Carnaval. Com o amigo Sidney, ele toca em uma roda de samba do bairro. Os dois também são guardiões no ‘Dragão Suburbano’, um grupo de bate-bolas, importante manifestação popular do subúrbio do Rio de Janeiro. É no galpão do grupo da Vila Cambucá que os integrantes se reúnem para a escolha do tema do enredo do ano, confecções das fantasias e a organização do desfile.
K-drama – Pétalas de Amor
Tati (Bia Santana), irmã de Madá (Jessica Ellen), é apaixonada pela cultura coreana. Fã de K-dramas, ela acompanha pelo celular a trama ‘Pétalas de Amor’, protagonizada por Jin (Allan Jeon), personagem que é funcionário de uma floricultura cujo dono, o senhor Lee, vem a falecer. O dono do negócio deixa metade do empreendimento em testamento para o rapaz, e a outra metade, para a filha Mirae (Sharon Cho). Os dois herdeiros não se dão muito bem, e Yoo-Na (Gabriela Yoon), dona da cafeteria colada à floricultura, o incentiva a lutar pelas flores e pelo legado do senhor Lee. Tati vê surgir em seu bairro, a Vila Cambucá, o ídolo que assiste todos os dias pelo celular. “Eu sou uma pessoa que assiste k-drama, e eu falei: por que não ter um k-drama dentro da novela? A série que a personagem Tati, vivida pela Bia Santana, assiste, vai ser pontual, esporádica, mas vai dar para acompanhar. Meu desejo foi o de falar com esse fenômeno que é a expansão das séries asiáticas pelo mundo, que atinge público de todas as idades e que é lindo de ver”, conta a autora Claudia Souto.
Mergulho na produção de ‘Volta por Cima’: uma mistura entre o pop e o vintage
A nova novela das sete apresenta uma trama envolvente por abordar temas atuais e diversos. Buscando um universo contemporâneo e solar, as equipes de direção de arte, caracterização, figurino, cenografia e produção de arte desenvolveram uma atmosfera realista, inspirada nas manifestações artísticas populares e suburbanas.
Com direção de arte assinada por Billy Castilho, a produção buscou referências na street art para criar uma paleta de cores pop e cheia de personalidade, com inspirações nas obras do pintor e muralista Zéh Palito. “A paleta de cor da novela para que a cidade cenográfica fosse supercolorida, assim como os demais cenários. Fui construindo o quebra-cabeça trabalhando junto com o figurino, com a produção de arte e a cenografia, traçando os personagens e dando uma personalidade colorida para cada um. A casa da família de Madalena, por exemplo, é super cor-de-rosa”, explica Billy.
Uma cidade cenográfica nos Estúdios Globo, no Rio de Janeiro, abriga o bairro fictício da Vila Cambucá. É lá que estão as casas dos protagonistas Madá e Jão; vizinhos de Cida, Jayme e Tereza, Chico e Seu Moreira. A região da trama foi inspirada em alguns bairros da Zona Norte do Rio de Janeiro, como Madureira, Marechal Hermes e Cascadura, trazendo as referências das ruas pacatas com casas com quintal e muro baixo, que ganham o colorido de cores vibrantes na história da autora Claudia Souto.
O bairro ainda abriga um comércio efervescente, com lojas populares, como um grande mercadão – inspirado no popular Mercadão de Madureira, um complexo de lojas do bairro do Rio -, bares, pet shop e padaria. O trabalho da cenografia trouxe elementos comuns dessas regiões, como o comércio ambulante que ocupa as calçadas e as ilustrações de grafite nos muros, que nos leva a um passeio estético pelos anos 1980 e 1990. “A cultura pop dessas décadas é o grande lance da novela, porque todo mundo olha e fala: ‘Nossa, que interessante isso’; ‘aquilo tinha na casa da minha tia. Esse daqui é legal, tinha na casa de fulano’. A gente começa brincar com essa linguagem do imaginário”, observa o diretor de arte. Sob a batuta de Keller Veiga, a cenografia da obra recriou com liberdade estética ambientes do subúrbio do Rio de Janeiro. “A ideia é mostrar um subúrbio colorido, sensual, bonito, resgatar um pouco essa imagem do subúrbio como um lugar de convivência bacana”, destaca Keller.
Em outro canto da cidade cenográfica está o ponto final dos ônibus e, ao seu lado, um coreto, outro símbolo característico da arquitetura da região. Para garantir a circulação dos ônibus durante as cenas, foram levadas em consideração as dimensões das ruas para a escolha dos espaços ocupados. “O que acho mais interessante nessa cidade é que ela tem árvores, curvas, ladeira, escadas. É uma área mais sinuosa, isso traz uma riqueza e um frescor de cidade”, destaca Billy. Também nos Estúdios Globo está alocado o jardim do casarão da família Castilho, moradia de Violeta (Isabel Teixeira) e Baixinho (Rodrigo Garcia).
Já os cenários internos foram construídos de acordo com as particularidades dos seus moradores. Por ser um colecionador, na casa de Seu Moreira (Tonico Pereira) são encontrados objetos que foram amontoados ao longo do tempo pelo morador - assim como se percebe na sua banca -, com móveis de madeira dando o aspecto de antiquário para o lar. Nas casas das famílias Castilhos e Bacelar, a decoração excêntrica conta com itens exuberantes, alguns sofisticados, outros nem tanto assim, como forma de mostrar poder. Outro cenário de destaque é uma mansão no bairro do Alto da Boa Vista que serve de locação para a residência dos Góis de Macedo com um amplo jardim e piscina deslumbrante. Uma típica mansão de desejo, mas que corrói nas mãos da família em decadência.
Os ambientes ganharam a contribuição do trabalho minucioso da equipe de produção de arte, liderada por Gabriela Estrela. Para a Viação Formosa, um dos núcleos centrais da trama, a produção conta com quatro ônibus, que foram adereçados para compor a frota da empresa da novela, usados nas gravações das cenas nos estúdios e em locações externas. A sede de uma empresa de ônibus no subúrbio do Rio de Janeiro serve de locação para as cenas da garagem da Formosa e ganhou intervenções da equipe de arte.
Na trama, a protagonista Madá empreende com Pegue e Monte, atividade na qual o profissional desenvolve itens de decoração de festas temáticas para aluguel. A produção de arte teve importante atuação na criação do material das festas que ganharão destaque na história. Nas primeiras festas organizadas por Madá, será possível ver enfeites feitos artesanalmente, com uma mistura de materiais como EVA e impressão 3D em papel. “Os itens do Pegue e Monte são diferenciados. As boleiras da Madalena são todas trabalhadas com tecido de bolinha, por exemplo. Para os temas das festas, temos trânsito, flores, planetas”, lista Estrela. Para garantir a precisão e a riqueza de detalhes em cada cena, a obra conta com consultorias especializadas em diversos assuntos, como é o caso dos bate-bolas.
Trilha sonora pop e brasileira mistura samba, pagode anos 90 e canções atuais
A trilha de ‘Volta por Cima’ traz para a novela o espírito brasileiro das periferias urbanas, traduzido principalmente em canções populares. Há uma reverência aos grandes nomes do samba, como Beth Carvalho e Martinho da Vila, e o resgate do pagode anos 90. O brega e a MPB se misturam ao repertório diverso e com uma atmosfera vibrante e alto astral. Nomes como IZA e Pabllo Vittar se combinam a algumas canções internacionais que agregam uma camada pop e atualizada para a trilha. Alguns sucessos foram regravados e ganham novas versões, como o hit do Soweto “Farol das Estrelas”, interpretado por Silva, para embalar a relação de Madá e Jão, e “Taras e Manias”, gravada na voz de Elymar Santos para as cenas dos personagens Edson e Rosana. MV Bill, que está no elenco da trama das sete como o motorista de ônibus Lindomar, compôs uma música inédita, inspirada na trajetória do personagem, que também faz parte do repertório de ‘Volta por Cima’.
Para a abertura da novela, outra composição inédita: o samba “Volta por Cima”, canção emblemática de Paulo Vanzolini, foi regravado pelas cantoras Alcione e Ludmilla. “Essa canção sempre esteve no nosso radar por ter muita identificação com a trama. É uma música que fala profundamente com o público, que conversa com cada um de nós nas nossas batalhas do dia a dia, dos desafios que temos a superar. Assim como a nossa protagonista Madá e outros personagens centrais. É sobre ter esperança e trabalhar para buscar dias melhores. A canção se encaixa perfeitamente numa história como essa, de otimismo e superação. E, claro, um samba, que traz também o ambiente do Rio de Janeiro que vemos na nossa novela. Uma música de abertura é uma canção que acompanha milhares de brasileiros durante meses, é algo muito potente, então, a mensagem é importante.”, explica Juliana Medeiros, coordenadora de produção musical da TV Globo. A música ganhou novo arranjo, produzido por Alexandre Menezes, e estará disponível nas plataformas digitais, assim como os outros títulos da trilha.
ENTREVISTA COM A AUTORA CLAUDIA SOUTO
Quais serão os temas e as mensagens principais de ‘Volta por Cima’?
‘Volta por Cima’ é uma história de superação, de pessoas que enfrentam as batalhas do dia a dia com otimismo, garra e alegria. Através das histórias de Madá (Jéssica Ellen), Jão (Fabrício Boliveira) e Osmar (Milhem Cortaz), a obra fala sobre conquistas e o preço que estamos dispostos a pagar por elas. É também sobre dinheiro, e se ele pode estar acima dos laços familiares. A ética dentro das famílias foi um assunto que eu observei muito durante a pandemia, quando, ao perder parentes, as pessoas começaram brigas por bens - desde um jogo de panelas até um terreno ou uma fortuna. Famílias de todas as classes sociais começaram a ter desavenças por causa de dinheiro. E a gente questiona se vale a pena passar a perna num parente: o que você ganha ou perde com isso? Outro tema vai ser a busca por propósito na vida. A Madalena está em busca de conhecer o propósito dela e vai se encontrar no ramo de eventos, que alia trabalho, criatividade e o desejo por proporcionar momentos felizes, bem a cara da Madá. O empreendedorismo em si é um tema que a gente vai abordar, desde o ‘Pegue e Monte’, que é o começo da Madalena, até ela entrar em contato com instituições que ajudam pessoas a se profissionalizarem. O propósito da vida do Jão é crescer na carreira. Ele se formou e não conseguiu ainda exercer a profissão para a qual ele estudou. Ele é um fiscal de ônibus e cursou Administração, se formou em uma das primeiras turmas que entraram através do sistema de cotas.
O que te inspirou para a construção dessa história?
O que me inspirou foram justamente histórias de pessoas que escolhem caminhos diferentes para alcançarem aquilo que desejam, levando ou não em consideração a ética e a moral. Na família Souza, por exemplo, nós temos personagens, como a Madá (Jéssica Ellen), que busca crescer na vida de maneira honesta, e do Osmar (Milhem Cortaz), que faz isso por caminhos tortos. O Osmar tem muito de várias pessoas da minha família, especialmente o jeito folgado, que se lamenta. Doralice (Tereza Seiblitz) também: tem muito da minha mãe.
Como o universo dos ônibus será retratado na novela?
O ônibus é um elemento muito presente na trama e na vida dos brasileiros, não é só um cenário, mas um contexto em que várias pessoas estarão no seu dia a dia, tanto os funcionários, como fiscal, motorista, o pessoal da administração da empresa, quanto os passageiros. A gente tem muitas cenas de passageiros, de disputas por lugares, de situações inusitadas dentro do ônibus. A gente vai mostrar tanto o lado divertido e curioso do transporte público, quanto os perrengues e as dificuldades.
Como será o subúrbio de ‘Volta por Cima’?
Vibrante, cheio de vida. Ele é uma mistura dos subúrbios cariocas, com a missão de dialogar com os subúrbios do Brasil inteiro através de suas características em comum. Um lugar de luta, de festa e com um grande senso de coletivo.
Por que decidiu falar sobre a cultura dos bate-bolas e como pretende mostrá-los?
Tem o aspecto pessoal e o cultural. O pessoal é que eu tenho um fascínio pelos bate-bolas desde menina, e já saí vestida. Eu comprei uma fantasia na tradicional Casa Turuna, no Centro da Cidade, e saí no Carnaval uns dez anos atrás. Me diverti muito, porque era um sonho de criança me vestir de bate-bola. É uma coisa maravilhosa, todo mundo fala com você na rua. Mas a inspiração, claro, vai muito além dessa experiência. E esses grupos são muito tradicionais, são um fenômeno no subúrbio carioca e só tem aqui, no Rio de Janeiro Quando eu vi que a novela iria atravessar o Carnaval, eu pensei: o que de Carnaval carioca ainda não foi mostrado nas novelas? E aí surgiu a ideia dos bate-bolas. Reconhecer a importância dessa manifestação cultural e poder mostrá-la para todo o Brasil é uma alegria imensa.
Há na trama da personagem Tati uma relação com o gênero K-drama. Como será a inserção desta cultura na história?
É um grande fenômeno que está acontecendo entre os jovens, mas não só com eles. Pessoas de todas as idades estão consumindo esse gênero. E não é apenas o K-drama, na verdade, é uma poderosa onda da cultura coreana, que conecta o público ao redor do mundo, e eu quis enriquecer a novela trazendo esta representatividade. Eu sou uma pessoa que assiste k-drama, dorama, e eu falei: por que não ter um k-drama dentro da novela? A gente vai ter uma série que a personagem Tati, vivida pela Bia Santana, assiste. Se chama "Pétalas de Amor". É claro que vai ser pontual, vai ser esporádica, mas o público vai poder acompanhar o desenrolar da trama como uma história paralela. No elenco da novela, temos atores de ascendência asiática como origem em diferentes países (Coreia, Japão, China), que estão em núcleos diferentes, com suas tramas próprias. Esses personagens são brasileiros, que cultivam as culturas de seus antepassados com respeito e amor.
Ao longo da sua carreira você colaborou em diversos projetos de humor e as novelas que escreveu, todas das sete, tinham essa veia. ‘Volta por Cima’ também traz esse elemento?
Com certeza. Todos os meus personagens passam por situações que a gente passa na vida. A nossa vida não é só uma tragédia, um drama ou uma comédia. Eles estão propensos a viverem situações dramáticas e engraçadas. A gente vai se emocionar muito, e vai dar boas risadas nessa novela.
ENTREVISTA COM O DIRETOR ARTÍSTICO ANDRÉ CÂMARA
O que o público pode esperar de ‘Volta Por Cima’?
A novela fala, acima de tudo, de sonhos e de propósito. E ‘dar a volta por cima’ é, eu diria, a frase principal dessa trama. Acho que é o desafio de todo brasileiro, e isso vai estar presente nas histórias dos nossos personagens. Tem uma frase que eu gosto muito, que é: ‘a imagem cria o imaginário’. Acredito que fazer essa novela é dar mais um passo na construção de um imaginário mais brasileiro, de um imaginário mais democrático, mais em harmonia com os números do IBGE, por exemplo. À medida em que a gente coloca histórias de pessoas do povo, de brasileiros, a gente traz essas histórias para o primeiro plano. E a gente tem como cenário principal uma empresa de ônibus. Então o protagonismo estará nas pessoas que fazem a roda girar, literalmente. São as vidas dos motoristas, dos fiscais, dos despachantes, da filha do motorista. São essas histórias que estarão no primeiro plano. Com suas subjetividades, seus desejos, seus amores, seus conflitos. E temos também outras histórias, outros núcleos, com muito humor, com muita leveza.
Como foi o processo de escalação do elenco? O que você buscou nesses atores?
Esse elenco é composto por uma variedade de talentos, com nomes consagrados da dramaturgia, talentos que vêm da música, nomes que estamos lançando. Essa convivência no set é rica para quem está trabalhando, mas também para quem vai ver nas telas. Pensamos na diversidade na construção desses personagens para que o Brasil seja cada vez mais bem representado na nossa dramaturgia. Estamos retratando pessoas que ocupam lugares de diversas regiões do Rio de Janeiro, desde o subúrbio, cenário principal da novela, passando pela zona sul, até a Barra Tijuca. Embora nossa história se passe em terras cariocas, essa mistura de personagens se dá em outras cidades brasileiras.
Quanto à estética, nossa novela tem como referência a beleza da obra um artista chamado Zéh Palito, que começou a sua carreira pintando murais em alguns interiores de São Paulo. Ele sempre pintou pessoas do povo: pretos, indígenas, amarelos. Essa presença forte da representação de minorias étnicas, com destaque para pessoas negras e indígenas, em conversa com o tropicalismo brasileiro é uma estética que celebra a negritude em esferas políticas, públicas, quanto íntimas e pessoais, o que casa muito bem com o que estamos buscando na novela.
Conte sobre a escolha do casal protagonista, Jéssica Ellen e Fabrício Boliveira.
Esse espaço pertence a grandes talentos. O Fabrício é um ator com quem eu sempre quis voltar a trabalhar depois da experiência que tivemos em ‘Boogie Oogie’. A Jéssica também é uma atriz que eu admiro muito, sempre tive vontade de trabalhar com ela. É a primeira vez, e eu estou gostando. É uma menina talentosa, estudiosa e aplicada. Os dois estão muito motivados para fazer essa novela.
'Volta Por Cima' tem uma trama realista, com fortes pontos de identificação do público. Como isso impactou o trabalho da equipe de produção?
A Claudia Souto está trazendo as histórias do povo para o primeiro plano. Histórias de pessoas que a gente poderia cruzar dentro de um ônibus, no metrô, nas ruas, nos subúrbios das nossas cidades. O nosso desafio é como contar essa história de uma forma leve, divertida, colorida. Então, buscamos inspiração estética no próprio subúrbio e nas pessoas. A gente foi a Madureira, a Marechal Hermes para sentir o calor e a cultura dessa região que pretendemos retratar.
A cena do acidente de ônibus que marca os primeiros capítulos tem ares de superprodução, com muita tensão e ação. Quais foram os desafios, soluções inovadoras e áreas envolvidas?
Foi um grande desafio fazer essa sequência. Quando eu li os dois capítulos iniciais, pensei em como fazer essa gravação de forma crível, verossímil e sem perder a emoção e as tintas do melodrama. É uma sequência de ação, mas o melodrama está ali, e, principalmente, o relacionamento dos personagens, a troca de olhares dos protagonistas Jão (Fabrício Boliveira) e Madá (Jéssica Ellen). O desafio era como realizar essa sequência. O primeiro passo foi definir a locação. Tínhamos algumas possibilidades, mas nosso desejo sempre foi fazer na Perimetral, o que já é um desafio por se tratar do centro do Rio de Janeiro. Depois, tivemos várias conversas com o pessoal de efeitos especiais e efeitos visuais, computação gráfica. Basicamente, definimos que seria necessário dividir essa cena em três espaços: um seria na Perimetral, o outro, numa gravação externa dentro dos Estúdios Globo, em que a gente teria que pendurar, de fato, esse ônibus. Ele ficou pendurado por dois “Carvalhões”, pois precisávamos que a gravidade atuasse nos corpos dos atores, dos dublês, de uma forma efetiva. Por fim, tivemos a gravação dentro do estúdio, com uma tecnologia chamada de On-Wheel, em que o ônibus foi cercado de LEDs. E para que isso? Porque tem muita dramaturgia no interior do ônibus. Como falei, tem romance, troca de olhares, tem melodrama diante do que acontece com Lindomar e muito texto.
Realizar essa cena com o ônibus circulando pelo Rio de Janeiro ou de fato pendurado na Perimetral seria complexo de fazer. Exigiria muito tempo. Então, levamos para o estúdio, onde a gente tinha o controle absolutamente de tudo e só nos preocuparíamos, de fato, com a interpretação dos atores.
Essa solução nos possibilitou maior controle com otimização e economia de tempo e recursos. Gravamos praticamente um capítulo inteiro em um dia. Se a gente tivesse que fazer isso em uma externa, levaríamos uns dois ou três dias. Além disso, o LED permite que as cenas gravadas demandem muito menos pós-produção do que nas gravações tradicionais com chroma.
‘Volta Por Cima’ é criada e escrita por Claudia Souto, com colaboração de Wendell Bendelack, Julia laks, Isadora Wilkinson e Juliana Peres. A novela tem direção artística de André Câmara e direção geral de Caetano Caruso. A produção é de Andrea Kelly e Lucas Zardo, e a direção de gênero, de José Luiz Villamarim.