Acaba de sair nos noticiários, a informação que a Paquetá Calçados, rede com 59 lojas, adquirida recentemente por R$90 milhões pela Oscar Calçados, encerrou as atividades em duas de suas lojas. Uma em Gramado e outra em Porto Alegre.
A notícia que surpreendeu os gaúchos, dada a relevância da rede no Rio Grande do Sul, é só mais uma dentro de uma imensa lista de encerramentos de atividades, declarações de recuperações judiciais e falências.
O Grupo Herval, dono da marca TaQi, também encerrou as atividades de 17 lojas TaQi, no Rio Grande do Sul, ainda no primeiro semestre de 2023.
Renner, Marisa, Americanas e TokStok foram outras empresas que também fecharam as portas de muitas de suas lojas.
E a pergunta que fica é: Por que empresas multimilionárias não estão dando conta de manter suas operações?
No Brasil, mais de 60% das empresas encerram suas atividades antes de completarem dois anos de atividade.
A grande maioria dos negócios que compõem esse percentual é representada por MEIs (Micro Empreendedor Individual) e Microempresas, que encerram suas atividades por falta de conhecimento nas áreas administrativas e mau controle das finanças.
Ao começar, muitos pequenos empreendedores não levam em conta boa parte dos custos necessários para a manutenção do negócio. Pequenos valores como os da compra do Serasa Certificado Digital, custos com maquininha Moderninha, Pagseguro ou outras, mensalidades de contadores, impostos sobre emissão de notas fiscais, e algumas outras despesas indispensáveis para a existência do empreendimento, muitas vezes não são considerados no valor da venda dos produtos e serviços, e quanto mais se vende, mais se perde.
No fim, a conta não fecha, mas o negócio, sim. E não tem sido diferente para as grandes empresas.
Por incrível que possa parecer, as grandes varejistas estão cometendo erros muito parecidos com os dos inexperientes micro e pequenos empreendedores.
Falta de gestão financeira e lentidão na adaptação às mudanças que estão ocorrendo no mundo tem feito com que empresas com dezenas de anos de atividades entrem em recuperação judicial e sucumbam ao fechamento de suas lojas.
Entre os segmentos que mais perderam fôlego no Brasil, o Fast Fashion, composto por grandes empresas como Renner, Riachuelo e Marisa, foi um dos que mais viu lojas baixando as portas.
No primeiro trimestre do ano, a Renner fechou 20 de suas lojas, a Riachuelo fechou uma das suas principais lojas (com mais de 1 km quadrado), situada na Oscar Freire, em São Paulo, e a Marisa encerrou a operação de mais de 90 pontos de vendas.
As razões são várias. Algumas facilmente corroboradas, com documentos, cálculos e análises financeiras. Outras são especulações, análises sobre o cenário como um todo e a busca da compreensão do porquê empresas gigantescas, de repente, se tornaram menos lucrativas do que pequenos negócios de bairro.
A digitalização do mercado já havia sido fonte de mudanças para o comércio físico, de modo geral, e muitas grandes lojas demoraram mais do que o ideal para começar a vender pela internet.
Quando chegaram ao universo do e-commerce, a era dos smartphones já havia sido iniciada e era necessário adaptar todo o formato digital.
Quando tudo parecia bem, AliExpress, Shopee e Shein começaram a explorar o público consumidor de moda no Brasil, fazendo com que milhões de pessoas descobrissem que comprar da China pode ser muito mais barato do que comprar em lojas daqui.
A entrega, que a princípio demorava meses, passou a ficar cada vez mais rápida e a concorrência foi ficando cada vez mais perigosa para as megalojas já estabelecidas no país.
Não bastasse isso, há um movimento silencioso, porém enorme, acontecendo no Brasil e no mundo.
A moda circular e o consumo consciente estão reinventando a forma que as pessoas enxergam o universo fashion, e até o modo que elas escolhem para atender à necessidade de se vestir.
Em 2022, uma pesquisa realizada pelo Instituto de Economia Gastão Vidigal, vinculado à Associação Comercial de São Paulo (IEGV/ACSP), revelou que houve um aumento de cerca de 30% no volume de vendas dos brechós.
Os 30%, sozinhos, já representavam mais do que o faturamento total do ano anterior, que havia sido de R$2,9 bilhões. E esse dinheiro sai de algum lugar - que não é apenas do bolso do consumidor.
Quando uma pessoa escolhe comprar uma bolsa em um brechó de luxo, ela deixa de comprar uma ou duas bolsas em uma loja de Fast Fashion, por exemplo.
Somar as mudanças relacionadas às facilidades para importação direta e as tendências envolvendo consumo consciente e moda circular, já pode ser um bom caminho para perceber porque as coisas mudaram tanto dentro do cenário ao redor das grandes empresas de Fast Fashion no país.
Não foi apenas no universo da moda que muitas portas foram fechadas.
Mesmo com grandes esforços, diversas varejistas renomadas precisaram lidar com perdas irrecuperáveis.
A Americanas, uma das maiores redes de lojas do Brasil, com mais de 90 anos de atuação no mercado, precisou encarar a sua pior crise em 2023.
Foram mais de 120 lojas fechadas e, muitas delas, às pressas.
Alguns pontos comerciais da rede fizeram queimas de estoque tão “desesperadas” que muitas pessoas não acreditavam nas publicações promocionais feitas na internet. Quando iam pessoalmente às lojas, o estoque já havia sido esgotado.
Houve casos em que a melhor air fryer da loja era vendida por menos da metade do preço. Roupas e itens de vestuário eram “queimados” por 10, 20% do valor original de venda.
Poucos dias após a queima, chegava a notícia: “a loja fechou”.
Foram muitos fechamentos simultâneos e um clima bastante angustiante dentro das lojas.
Funcionários com medo do futuro incerto, gerentes estressados, e clientes vanguardistas lamentando assistir o fim de um dos comércios mais tradicionais do país.
O fato é que, embora o caso da Americanas tenha abalado o mercado - tendo em vista que foi descoberto um rombo de mais de 40 bilhões de reais no caixa da empresa -, outras companhias também encerraram as atividades de diversas de suas lojas.
O Ponto Frio e as Casas Bahia, juntos, também fecharam cerca de 100 pontos de vendas.
No caso da Americanas, o problema que se tornou conhecido foi o de má gestão financeira. Uma operação chamada “Risco Sacado” que foi mal calculada e administrada.
No caso do Ponto Frio e Casas Bahia, uma tomada de empréstimos durante a pandemia pode ter sido a causa da derrocada. As vendas não se recuperaram tão bem ao ponto de que os juros do financiamento pudessem ser cobertos de forma positiva.
Essas são as justificativas sólidas, em números. Aquelas que não mentem. Mas sempre há uma origem para os problemas financeiros das empresas e, quando se trata de companhias bilionárias, auditadas e com corpos administrativos competentes, pode se tornar difícil acreditar que uma crise financeira e comercial tenha surgido e se instalado de surpresa, levando a desfechos tão negativos quanto o encerramento de algumas (senão todas) de suas operações.