Como dizem no Brasil louco pelo futebol, em time que está ganhando não se mexe. A Rede Globo, a maior rede de televisão do Brasil e a quarta do mundo, leva o ditado a sério: há trinta anos, sua programação noturna quase não mudou. Executivos de televisão no mundo todo lutam para adequarem seus horários aos gostos instáveis. A Globo mantém sua estratégia básica.
Das 18 às 22h, de segunda a sexta-feira, os telespectadores vêem o seguinte: novela; noticiário local; novela; noticiário nacional; e outra novela. Depois, têm futebol pelo menos uma noite por semana e um filme de Hollywood em outra. Uma mistura de séries cômicas e assuntos de interesse atuais preenche o resto. Os dias da semana e os finais de semana são dominados por outro produto básico: programas de auditório, nos quais apresentadores famosos oferecem entrevistas com celebridades, esquetes ao vivo, competições e dramas da vida real.
Esse é um dos segredos do sucesso da rede, diz Octávio Florisbal, diretor-geral da Globo: uma programação rígida "horizontal" -diferentemente da variada "vertical", como muitas nos EUA e na Europa- mais adequada para capturar telespectadores e torná-los leais. Outro segredo é o fato da Globo produzir quase toda sua programação, usando autores, atores, jornalistas e técnicos, todos ligados à rede, e criar programas em um estilo próprio instantaneamente reconhecível.
E que estilo. O logotipo espacial da Globo, que faz "plim, plim", diz tudo. Suas novelas trazem tipos reconhecidamente brasileiros de todo o país (com uma forte tendência para o eixo Rio-São Paulo), em ambientes reconhecidamente brasileiros, comportando-se de formas reconhecidamente brasileiras. Eles lidam com questões de preocupação diária dos telespectadores, como crime, sexo com menores e drogas -exceto que nada é bem o Brasil, porque tudo é um pouco melhorado, se não muito, e menos alarmante do que na vida real. Os pobres especialmente se saem muito melhor no mundo da Globo do que no mundo real. São mais bem alimentados, mais bem vestidos, se dão melhor com seus patrões de classe média e moram em favelas -onipresentes nas cidades brasileiras- tão maquiadas que deixam a coisa real literalmente na poeira. "O povo brasileiro enfrenta suficientes dificuldades em suas vidas diárias", diz Florisbal. "Eles não querem ver mais sofrimento. Não é o que querem das novelas da Globo".
Mas se a Globo não está mudando, seus telespectadores sim. A economia está melhorando, e a renda vem aumentando há algum tempo. Nos últimos dois anos apenas, 20 milhões entraram na faixa de renda média, que atualmente compreende 46% dos quase 190 milhões de brasileiros. Isso significa que mais pessoas devem ter mais tempo e dinheiro para fazer outras coisas do que sentarem-se lealmente diante da programação horizontal da Globo.
Os bares, restaurantes e cinemas são ameaças evidentes, apesar dos brasileiros de classe média não serem ricos o suficiente ainda para esses terem muito impacto. A Internet e a televisão paga causam preocupação, apesar de seu efeito ser marginal; a televisão paga está presente em apenas 6% a 7% dos 50 milhões de lares brasileiros.
A competição pelo tempo de lazer das pessoas, ao que parece, não vem primariamente dessas fontes -os fantasmas dos programadores americanos e europeus. O que a renda crescente produziu foi uma feroz competição pelo público da televisão e a propaganda que atrai.
Os dados de audiência e propaganda são difíceis de se obter. O Ibope, empresa de pesquisa de mercado, os fornece às redes, que divulgam apenas o que querem. Daniel Castro, colunista de televisão da Folha de S.Paulo, diz que a fatia da propaganda da Globo ainda está firme em cerca de 70%. Mas essa parcela está sendo ameaçada. A Globo diz que seu público médio de 7h da manhã até a meia-noite caiu, mas não revela os dados do horário nobre, que Castro diz ter declinado nos últimos três anos.
Quem está comendo a parcela da Globo? Aparentemente, não são os canais rivais tradicionais, SBT e Bandeirantes, mas uma rede relativamente recente, Record, com uma nova fórmula vencedora instalada desde 2004. A fórmula é: copiar a Globo. Alexandre Raposo, diretor de televisão na Record, diz que depois de muita pesquisa criou uma nova programação horizontal constituída de novelas, noticiários, futebol e programas de auditório. O seu horário nobre difere do da Globo apenas na ordem das novelas e dos noticiários. O resultado não surpreende, mas ainda assim é impressionante: as novelas da Record parecem às da Globo, até os atores, os ambientes e a programação gráfica.
"É claro, essa é nossa estratégia", diz Raposo. "Estamos usando o condicionamento que já está presente no telespectador. E 80% de nossos profissionais são da Globo." A Record pegou tantos profissionais da Globo nos últimos dois anos que é incrível que a Globo ainda tenha pessoal.
Ainda assim, as novelas da Record diferem das da Globo. "Vidas Opostas", que teve 240 episódios em 2006 e 2007, era uma novela ambientada em uma favela que de fato parece uma favela completa, com traficantes e policiais corruptos. Ela recebeu uma série de prêmios e teve forte audiência. A Record seguiu esse sucesso com "Caminhos do Coração", na qual os personagens de classe média com vidas ordinárias são afetados por mutantes que atiram raios mortais dos olhos, uma alegoria aos males -desde o crime comum até políticos corruptos- que afligem a vida brasileira.
No ultra-realismo e no surreal, a Record encontrou formas de acrescentar à fórmula vencedora da Globo. No início do ano, "Caminhos" fez para Record o que nenhuma rede brasileira conseguiu antes: teve um público no horário nobre mais do que a metade do tamanho da Globo.
A Globo ainda não está entrando em pânico. Sua estratégia continua a mesma: nenhuma mudança. "Enquanto líder do mercado, com o público que temos, só podemos mudar muito lentamente", diz Florisbal. Enquanto isso, parece que a Globo corre o risco de ser comida por seu próprio clone. Parece uma novela da Record.