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REDENÇÃO: A novela mais longa da TV brasileira

Grande sucesso da TV Excelsior, a trama de Raimundo Lopes foi esticada exaustivamente devido a seu sucesso de audiência.

Por: Emerson Ghaspar - Contato: [email protected]

Entre metade dos anos de 1960 e o fim da década, o Brasil vivia mudanças drásticas em sua teledramaturgia. Emissoras como Tupi e Rede Globo começavam a perceber que as tradicionais tramas de capa e espada não faziam grande sucesso junto ao público. A consagração do gênero como o tradicional folhetim ambientado no Brasil viria em 1968 com Beto Rockfeller, mas o princípio de que o público queria ver uma trama nacional começou a alguns anos antes em 1966 com Redenção, trama de Raimundo Lopes que conquistou o público.

Ambientada na cidade fictícia de Redenção no interior do estado de São Paulo, a trama conta a saga do médico Fernando Silveira (Francisco Cuoco) e seu envolvimento com os moradores. O médico chega misteriosamente ao local e chama a atenção da população que questiona sua presença no município e se ele realmente é um doutor. O caráter de Fernando é discutido pelas pessoas que não entendem suas atitudes controversas.

Fernando começa a se envolver com os moradores e desperta a atenção da doce Ângela (Mirian Mehler), filha do sapateiro Carlo (Vicente Leporace).Os dois acabam se casando, mas a jovem morre repentinamente e o médico tem que reconstruir sua vida.

O médico então começa a se envolver com Lola (Márcia Real) e acaba se tornando vitima da maquiavélica Marisa (Lourdes Rocha), a filha professora do prefeito Juvenal (Rodolfo Mayer). No decorrer da trama, Fernando tem um filho que desaparece e a segunda metade da obra fica focada nessa história e na chegada de novos moradores a Redenção e suas tramas paralelas. Com isso a trama de dona Marocas  (Maria Aparecida Baxter) que já era querida pelo público ganhou mais destaque e a fofoqueira da cidade conquistou definitivamente o público.

Na reta final descobre-se o grande segredo envolvendo Fernando: Ele havia ido embora da cidade depois de seu pai ser assassinado e voltava para descobrir quem era o responsável. Nas cenas finais descobre-se que era o alcoólatra Mario (Newton Prado).

Redenção trouxe para a telenovela pela primeira vez tipos mais próximos da realidade, apostando no naturalismo. O autor Raimundo Lopes ambientou a trama em uma localidade do interior paulista por que era algo que fazia parte de sua vivência. A trama era uma leitura de um sucesso do autor, que havia sido exibido na rádio Mayrink Veiga em 1957.

A trama foi a responsável pela construção da primeira cidade cenográfica de nossa teledramaturgia. Nos fundos dos estúdios Vera Cruz em São Bernardo do Campo foi erguida a cidadezinha de Redenção. As construções foram feitas em sete dias sob uma área de 9000 metros quadrados que se tornaram três ruas e uma praça que abrigavam um hotel, uma mercearia, prefeitura, delegacia, igrejas, casas e um obelisco que ficava na praça. Além disso, havia uma estação ferroviária com uma locomotiva e um vagão cedidos pelo Museu do Ipiranga. O cenógrafo Luiz Marinho idealizou o projeto.

Na época da trama, um conjunto habitacional em São Carlos com 104 casas foi chamado de Vila Redenção. A linha férrea que conduzia até Redenção fictícia em São Bernardo teve autorização do governo do estado de São Paulo que permitiu que funcionários linha Sorocabana prestasse auxilio, ou seja, um trecho foi criado entre a estação verdadeira e a fictícia. A prefeitura de São Bernardo do Campo arcou com as despesas orçadas em 100 milhões de cruzeiros. A obra se tornou ponto turístico e criou o Parque da Criança. A população se mobilizava para a realização da trama e os turistas podiam andar pelas ruas da cidade fictícia aos fins de semana. No fim da trama, Onofre (Mario Guimarães) recebeu o título de Chefe Honorário da Estrada de Ferro Sorocabana.

Os grandes destaques da trama foram Francisco Cuoco, que solidificou sua carreira de galã e Maria Aparecida Baxter. Com o sucesso da trama e com medo de perder a audiência conquistada com a trama, o autor teve que escrever inúmeras reviravoltas nos 596 capítulos. Sem ideias, o autor resolveu dar um rumo inusitado a um dos personagens mais queridos. O pesquisador especialista em teledramaturgia Mauro Alencar ao site Globo TV revelou: "Tinha uma fofoqueira, dona Maroca,feita pela saudosa Maria Aparecida Baxter,o Raimundo (autor da trama) já havia matado a Ângela misteriosamente, a heroína da novela morre, bom então decidiu matar a Maroca. Matou a Maroca. Qual não foi a surpresa quando soube que a audiência havia despencado. Descobriu-se que os grandes nomes populares da novela eram o Francisco Cuoco e a Maria Aparecida Baxter. Raimundo usou um artifício engenhoso. Ele soube na época que o médico Christiaan Barnard fazia os primeiros experimentos de transplantes de coração... Fez com que o doutor Fernando Silveira, Francisco Cuoco, realizasse  com êxito o primeiro transplante de coração em humano. Em questão de uma semana a Maroca ressuscitou..."

Após o transplante realizado no personagem a trama voltou a ter grande audiência. Aqui no Brasil o pioneiro nos transplantes cardíacos foi o doutor Euryclides de Jesus Zerbini que realizou a primeiro transplante em 25 de maio de 1968, no mês de termino da trama. Na obra o transplante de dona Marocas ocorreu nas transições de fases, ou seja, antes do transplante da realidade.

Diferente de hoje em que as novelas são exibidas e retransmitidas via satélite, nos anos 60 os programas eram gravados e distribuídos para as afiliadas de todo país por meio de fitas. Com isso, as emissoras exibiam as cópias em horários diferentes. A TV Excelsior de São Paulo exibia a novela de segunda a sábado, 19h. A TV Excelsior do Rio de Janeiro, de segunda a sábado, 21h; a TV Gaúcha de Porto Alegre, de  segunda a sábado, 18h40 e a TV Anhanguera  de Goiânia,  de segunda a sábado, 18h30. Independente de horários a trama foi um sucesso.

Prevista para ter 100 capítulos, Redenção teve seus capítulos aumentados devido a sua audiência satisfatória. Segundo depoimento extraído do livro Gloria in Excelsior de Álvaro de  Moya: “Segundo o depoimento do Sr. Carlito Adesi, do Departamento Comercial da Excelsior, a novela Redenção foi tão longa, sempre esticada, porque a própria Cia. Gessy  Lever, dona do horário, sentia que quando acabasse esse sucesso seria muito difícil colocar outro no ar, devido as condições da Excelsior”.

A novela seguinte do horário,  Legião dos Esquecidos tinha boa parte do elenco de Redenção, mas não obteve o mesmo êxito. A novela contou com a participação de grandes atores que seriam conhecidos do publico posteriormente: Fernanda Montenegro (Lisa), Armando Bógus (Eduardo), Procópio Ferreira, Leila Abramo, Geórgia Gomide (Helena), Turíbio Ruiz, Flora  Geny (Silvia) e Francisco Cuoco (Fernando).

Na época as emissoras não investiam em trilhas sonoras e nenhum álbum foi lançado.

A trama influenciou a criação de várias festas espalhadas pelo Brasil. A Festa das Marocas, iniciada no inicio dos anos de 1970 em Pernambuco ganhou esse nome me homenagem ao personagem de Maria Aparecida Baxter em Redenção. Atualmente o evento reúne cerca de 150 mil pessoas e é considerado Patrimônio Cultural Imaterial do Estado. As moradoras de Belo Jardim – PE criou um forró em homenagem as mexeriqueiras da cidades  que ganhou o nome de forró Redenção.

Escrita por Raimundo Lopes e dirigida por Dionísio Azevedo, Reynaldo Boury e Waldemar de Moraes, Redenção é a novela mais longa da teledramaturgia por ter o mesmo elenco e por ficar mais tempo no ar (2 anos), além de ser a essência das tramas que vemos hoje em dia. As tramas naturalistas começaram com essa obra, que apresentou um personagem aparentemente ambíguo, mas humano. Um das marcas dos personagens de Janete Clair, anos depois.

A história de outras emissoras, que hoje nem existem, mostra o prazer e a paixão de quem trabalhava em suas histórias, mesmo que não tivessem liberdade de criação, mas afinal toda trama merece ganhar uma visita e quem sabe ser revista, ganhar um remake e voltar a imaginação de seu público. Tem tramas que merecem uma nova chance, uma Redenção.

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