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Dias Gomes, o eterno contestador

Autor conquistou o mundo com seu talento e suas críticas.

Por: Emerson Ghaspar - Contato: [email protected]

O autor Dias Gomes (Foto: Reprodução/TV Cultura)

Em 19 de outubro de 1922 na cidade de Salvador, na Bahia, nascia Alfredo de Freitas Dias Gomes, ou como viria a ser conhecido futuramente Dias Gomes, um dos dramaturgos mais querido do telespectador de telenovelas do Brasil. Criativo e sempre ligado a leitura e a escrita, aos 10 anos escreveu o seu primeiro conto: As Aventuras de Rompe Rasga.

Três anos depois mudava junto com sua família para o Rio de Janeiro. Em 1937 com 15 anos de idade escreveu A Comédia dos Moralistas, sua primeira peça, que foi premiada em um concurso organizado pela União Nacional dos Estudantes e pelo Serviço Nacional de Teatro. Em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, Dias Gomes escreveu Amanhã Será outro Dia, um drama abordando temas como nazismo e o exílio nos países sul americanos.

No ano seguinte, Dias Gomes estreou no teatro profissional com a peça Pé de Cabra, uma comédia com Procópio Ferreira, que antes da estréia teve dez paginas arrancadas pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão de censura do governo Vargas. Apesar de cortes, a parceria entre Dias Gomes e Procópio Ferreira foi proveitosa, já que o dramaturgo acabou assinando um contrato de exclusividade para escrever quatro peças por ano. Durante o ano de 1943 foram escritas: Doutor Ninguém, Eu Acuso o Céu, João Cambão, Sinhazinha, Um Pobre Gênio e Zeca Diabo. Nesse mesmo ano, o dramaturgo entrou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, mas abandonou anos depois.

Oduvaldo Vianna viria a convidar Dias Gomes em 1944 para trabalhar em São Paulo na Rádio Panamericana. Na emissora, o autor adaptou obras literárias e peças de teatro para o programa Grande Teatro Panamericano.  Em 1945, Dias Gomes saiu da Radio Panamericana e foi trabalhar na Rádio Tupi-Difusora, onde participou do programa A Vida das Palavras. Nesse período, o autor afiliou-se ao Partido Comunista, onde ficou até 1971.

Por motivos políticos, Dias Gomes foi demitido da Rádio Tupi-Difusora em 1948. Em seguida trabalhou na Rádio América e Rádio Bandeirantes. Nesse período também se dedicou a literatura, publicando os seguintes romances: Duas Sombras Apenas (1945); Um Amor e Sete Pecados (1946); A Dama da Noite (1947) e Quando é Amanhã (1948).

Em 1950, no dia 13 de março, Dias Gomes casou-se com Janete Clair e se mudaram para o Rio de Janeiro. De volta à cidade maravilhosa, o dramaturgo viria a trabalhar nas rádios: Tupi (dos Diários Associados), Tamoio e Rádio Clube. Em 1953, Dias Gomes foi demitido após viajar com alguns escritores para União Soviética para a comemoração de Primeiro de Maio.

Sofrendo forte perseguição política, Dias Gomes começou a utilizar pseudônimos para escrever. O autor voltou ao rádio em 1956 quando foi trabalhar na Rádio Nacional, onde ficou até 1964. Em 1959, o dramaturgo viria a escrever uma das mais renomadas e memoráveis obras do teatro brasileiro: O Pagador de Promessas. A obra ganhou o mundo através do filme homônimo dirigido por Anselmo Duarte, além de ter ganhado o prêmio Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1962. Além disso, o filme foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e ganhou diversos prêmios: Nos Festivais de São Francisco (EUA), Cartágena (Colômbia), Acapulco (México) e Edimburgo (Escócia). A peça foi encenada na Polônia e Estados Unidos, além de ter sido traduzida para dez idiomas.

Entre 1960 e 1964, Dias Gomes escreveu as peças: A Invasão, O Berço do Herói e O Santo Inquérito, consolidando sua carreira teatral. Devido ao golpe militar de 1964, Dias Gomes foi demitido e foi trabalhar com Ênio Silveira na Editora Civilização Brasileira. Sua casa chegou a ser invadida e vasculhada no ano de 1966. Além disso, as peças do dramaturgo foram proibidas durante a ditadura militar. A peça o Berço do Herói que era dirigida por Antonio Abujamra foi proibida na noite de estréia. O mesmo ocorreu com a peça A Invasão. Ambas censuradas. Até o filme O Pagador de promessas teve sua exibição proibida em todo Brasil. A interdição foi até 1972.

Sem conseguir trabalhar devido ao regime militar e por influência de Janete Clair, Dias Gomes vai trabalhar na Rede Globo em 1969, onde sob o pseudônimo de Stela Calderón, assina uma adaptação do romance A Ponte dos Suspiros, de Michel Zevaco. Ao estilo capa e espada, a trama era ambientada na Veneza do século 14. Dias Gomes trabalhava sob a supervisão de Glória Magadan e quando ela foi demitida, o autor realizou mudanças radicais dando ênfase em questões políticas. Com isso, a censura obrigou a novela a mudar de horário para as 22h, inaugurando um novo horário de novelas na Rede Globo.

No ano seguinte, Dias Gomes assina sua primeira novela: Verão Vermelho, que era também a primeira novela a ser ambientada na Bahia. O autor abordou temas importantes para a época como reforma agrária e candomblé. Foi a primeira trama de Dina Sfat, que vinha do filme Macunaíma, um sucesso do cinema nacional. Curiosamente, uma personagem de outra novela fazia uma participação na trama: Flor (Miryan Persia) de Véu de Noiva, novela de Janete Clair as 20h, procurava um médico para saber se era estéril e em busca de um tratamento milagroso. O médico em questão era um charlatão e pertencia a novela Verão Vermelho, ou seja, os personagens das novelas se cruzavam.

Em seguida, Dias Gomes escreveu a novela Assim na Terra como no Céu, que contava a história de um misterioso crime. A trama abordou temas como apatia urbana, os jovens e problemas com drogas e o voto de castidade imposto pela igreja católica. A trama reaproveitou o elenco de Verão Vermelho e foi a estréia de Francisco Cuoco na Rede Globo. Curiosamente a novela não tinha titulo e durante uma reunião alguém disse que deviam rezar para achar o título. Quase no fim da oração: ”Assim na Terra Como no Céu”, alguém gritou que esse deveria ser o título.

Em 1972, Dias retratou o subúrbio carioca e os bicheiros com destaque entre a batalha de Tucão (Paulo Gracindo) e Jovelino Sabonete (Felipe Corone), inclusive pela mesma mulher: Noeli (Marília Pêra). A trama em questão era Bandeira 2 e foi um enorme sucesso. A censura exigiu a morte de Tucão e no dia da gravação do enterro do personagem, um aglomerado com aproximadamente de 3 mil pessoas cercaram o cemitério, acreditando que o ator Paulo Gracindo havia morrido de verdade, tudo devido a um boato. A novela deu origem a uma peça: O Rei de Ramos.

O Bem Amado foi à novela seguinte escrita por Dias Gomes para as 22h. O autor apresentou um microcosmo de um Brasil em sua primeira novela a cores, repleto de personagens marcantes.Além disso foram inseridos elementos de uma peça do autor:  Odorico, O Bem Amado, e os Mistérios do Amor e da Morte Curiosamente a idéia para a novela surgiu de um fato, onde um prefeito se elegeu após a promessa de construir um cemitério. Até hoje o terreno onde eram gravadas as cenas do cemitério não foi vendido. Com memoráveis atuações, O Bem Amado foi vendida para inúmeros países. Na época somente o texto era vendido, ou seja, era a primeira vez que uma novela era vendida para outros públicos. A novela apesar do sucesso chegou a sofrer com a censura que cortava palavras que ligasse a ditadura militar.

Em 1974, o dramaturgo escreveu O Espigão, trama que criticava o progresso tecnológico e a desumanização das relações interpessoais. O autor debateu questões ambientais como ecologia e ecossistema, em uma época em que muitos nem sabiam do que se tratava. Nesse mesmo ano foi lançado o filme O Marginal,obra adaptada de uma peça do autor para o cinema por Carlos Manga, .

Apesar de sucessos, Dias Gomes veria uma obra sua vetada: Roque Santeiro, que já tinha 51 capítulos escritos e 20 gravados. A censura foi proibida na véspera de estréia, mas o autor só soube o real motivo dez anos depois: O Serviço Nacional de Informações (SNI)  havia gravado uma conversa telefônica entre Nelson Werneck Sodré  e Dias Gomes, onde o autor teria dito que conseguira driblar os censores e que Roque Santeiro era uma adaptação de uma obra censurada: O Berço do Herói.

Desiludido com a censura sobre Roque Santeiro, Dias Gomes viria a escrever em 1976 mais um sucesso, a novela Saramandaia, onde introduziu a o realismo fantástico na teledramaturgia nacional, criando tipos inusitados entre eles Dona Redonda (que explodia depois de tanto comer), João Gibão (que tinha asas) e Marciana (que pegava fogo quando excitada). Em sua autobiografia que seria lançada anos depois, o dramaturgo afirmou que a novela foi a que mais gostou de escrever. Em 2013, a Rede Globo realizou um novo folhetim com a mesma premissa sendo assinado por Ricardo Linhares.

Em 1978, Dias Gomes escreveu a novela Sinal de Alerta, a última novela das 22h nos anos de 1970. A novela denunciava crimes ambientais e empresas que poluem sem se preocupar com a comunidade. Apesar de um tema interessante, o publico nem se empolgou e a audiência foi baixa, além de não ter nenhuma espécie de repercussão.

Nos anos seguintes, Dias Gomes se dedicou a séries entre elas Carga Pesada no qual foi um dos criadores e onde era o responsável pela supervisão final do texto. Em 1980, desenvolveu a série O Bem Amado, derivada da novela de 1973. O programa trazia novos personagens e era semanal. Devido a carga de trabalho do autor, o programa ficou sendo mensal, ficando no ar até 09 de novembro de 1984.

Durante o período da série O Bem Amado, a esposa de Dias, Janete Clair viria a falecer em 16 de novembro de 1983, vítima de um câncer. O dramaturgo então auxiliou a autora Glória Perez a concluir a novela Eu Prometo,  de autoria de sua esposa. Logo depois, Dias voltaria a escrever o Bem Amado, a série.

Anos depois, Dias Gomes coordenou  a Casa de Criação Janete Clair,  que tinha como proposta renovar a dramaturgia da Rede Globo. Apesar de grandes talentos que se destacariam depois, o projeto foi encerrado três anos depois.

Em 1985, Fábio Barreto filmou O Rei do Rio, obra baseada na peça O Rei de Ramos, que era derivada da novela Bandeira 2. Nesse mesmo ano devido a um novo cenário político foi ao ar a novela Roque Santeiro, um clássico da teledramaturgia que conquistou o público brasileiro devido a seus personagens singulares entre eles: Sinhozinho Malta (Lima Duarte), Dona Pombinha (Eloisa Mafalda), Prof° Astromar (Ruy Rezende), Viúva Porcina (Regina Duarte), Padre Hipólito (Paulo Gracindo), Roque Santeiro (José Wilker), Zé das Medalhas (Armando Bogús), Beato Salú (Nelson Dantas), entre tantos outros que ainda moram na memória afetiva da nação. Cansado da rotina árdua que é escrever uma novela, Dias Gomes chamou Aguinaldo Silva para escrever a trama. No total, Dias escreveu 99 e Aguinaldo 110.

Sucesso em todo Brasil, os autores fizeram de Asa Branca (cidade fictícia) em um microcosmo do Brasil debatendo questões pertinentes a época. Pela primeira vez, uma novela das 20h foi ambientada em uma cidade do interior do Brasil, fugindo de grandes metrópoles. Roque Santeiro é uma conjunção fenomenal que não poderia render em outra coisa: um enorme sucesso.

Depois de Roque Santeiro, Dias Gomes deixaria a tarefa de escrever uma novela completa e se dedicaria a escrever argumentos. Sua novela seguinte, Mandala de 1987 teve a sinopse desenvolvida por ele e os primeiros 35 capítulos. A trama era uma adaptação do clássico Édipo Rei para o ano de 1980, foi passada aos cuidados de Marcilio Moraes que conduziu a obra. A trama sofreu inúmeros cortes da censura, que considerou o tema incesto ofensivo para as 20h30. Destaque para as atuações de Carlos Augusto Strazzer  (o vilão Argemiro) e Nuno Leal Maia (Tony Carrado). A trama teve o hit O Amor e o Poder da cantora Rosana.

Nos anos seguintes, Dias Gomes continuou a se dedicar a obras de menor duração.  Em 1987, Dias foi responsável pelo texto de Expresso Brasil, uma mini-novela de 5 minutos exibidas entre o Jornal Nacional e a novela O Outro de Aguinaldo Silva. A trama contava a história de personagens famosos na teledramaturgia nacional em busca de seu autor, uma metalinguagem, cobrando o porque de seus finais.  Dias Gomes apareceu no último capítulo e foi perseguido por seus personagens mais notórios. A mini novela teve 40 episódios.

Em 1988, O Pagador de Promessas, celebre obra de Dias Gomes chega a TV. Por imposição da censura, a minissérie planejada em 12 capítulos acabou tendo 8. Temas como reforma agrária foram suprimidos, tirando um pouco da essência do personagem. A intolerância da igreja católica diante do sincretismo religioso também foram abordados nessa obra  dirigida por Tizuka Yamazaki.  Nesse mesmo ano, o diretor cubano Pastor Vera levou às telas o texto Amor em Campo Minado, originalmente escrito como peça.

No ano de 1989, quando completou 50 anos de carreira teve suas obras publicadas em 7 volumes

Em 1990, Dias Gomes foi chamado para escrever Araponga, uma novela que batia de frente com Pantanal de Benedito Ruy Barbosa que era exibido na Rede Manchete. Apesar de discutir espionagem e inseminação artificial, a trama não cativou o publico e por pouco não passou despercebida. A trama era exibida as 21h30 e teve 113 capítulos. Em 1991, Dias Gomes passou a fazer parte da Academia Brasileira, ocupando a cadeira 21. Após sua morte, Paulo Coelho assumiu a cadeira.

As Noivas de Copacabana exibida em 1992 foi o projeto desenvolvido por Dias após Araponga. A trama do serial killer que matava mulheres vestidas de noiva surgiu depois que o autor viu uma série no Fantástico onde era noticiado o caso Heraldo Madureira, que matava noivas e que havia sido julgado, mas que havia fugido do manicômio onde estava internado. A minissérie teve uma direção segura e manteve o publico cativo durante sua exibição.

Em 1995, Dias Gomes voltava com novas produções na telinha. O dramaturgo assumiu o texto final de Irmãos Coragem, grande sucesso de sua primeira esposa Janete Clair, mas diferente da obra original, essa versão não obteve sucesso. Nesse mesmo ano foi ao ar a minissérie Decadência, que causou polêmica ao tratar da memória política recente como a ascensão e o declínio do ex presidente Fernando Collor.

Decadência ainda despertou a fúria dos evangélicos, que não gostaram de se verem retratados de tal maneira e da crítica feita por Dias Gomes ao fanatismo religioso e as apresentações fervorosas em cultos. A Igreja Universal até entrou com ação indenizatória contra a Rede Globo.

No ano seguinte, Dias Gomes escreveu com Ferreira Gullar a mini-novela  O Fim do Mundo em 35 capítulos, levando em questão do apocalipse. A obra foi escrita para ser uma minissérie e como a novela O Rei do Gado estava com a produção atrasada, a solução foi entregar a direção do projeto a Paulo Ubiratan, que levou O Fim do Mundo ao ar.

Em 1998, Dias Gomes adaptou o livro Dona Flor e seus dois maridos de Jorge Amado em formato de minissérie, tendo como personagens centrais interpretados por Giulia Gam, Edson Celulari e Marco Nanini. Nesse mesmo ano, o dramaturgo escreveu sua autobiografia Apenas um Subversivo, publicada pela editora Bertrand Brasil.

Dias Gomes viria a falecer em 18 de maio de 1999, aos 76 anos, vítima de um acidente de carro em São Paulo. Sarcástico, crítico muitas vezes incompreendido e contestador por natureza, Dias era um homem a frente de seu tempo, que conquistou brasileiros com suas histórias singulares. É um artista memorável e devemos rever suas obras sempre que possível. Arte vai além do que se vê, é o que se sente, e diante de seus trabalhos isso é impossível.


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