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Corpo Santo: Trama adulta da Manchete completa 30 anos

Folhetim enfocava o dia a dia dos personagens, apresentando uma novela reportagem.

Por: Emerson Ghaspar - Contato: [email protected]

No dia 30 de março de 1987, as 21h30 ia ao ar o primeiro capítulo de Corpo Santo, ousada telenovela da Rede Manchete que tinha a proposta de apresentar um retrato fiel de nossa realidade. A trama contava a disputa entre quadrilhas no Rio de janeiro e a possível regeneração de uma pessoa. A novela começava com a ida de Simone Reiski (Christiane Torloni) e de sua família para o centro do Rio de Janeiro. Simone acaba conhecendo Téo (Reginaldo Faria) um produtor de vídeos eróticos, que se aproxima dela disposta a conquistar a filha Lucinha (Sílvia Buarque), uma jovem com estranhos dons paranormais, e transforma-la em uma nova ninfeta para seus filmes. Téo é rival de Russo (Jonas Bloch), outro produtor pornográfico, e os dois vivem armando para destruir um ao outro. O motivo é que ambos almejam ser o substituto de Grego (Sérgio Viotti), o chefão das duas quadrilhas.

A situação se complica quando Téo, já apaixonado por Simone, resolve entregar todo o esquema de quadrilhas que há na cidade e por isso recorre a Bárbara Diniz (Lidia Brondi), uma repórter investigativa. Disposto a se vingar de Téo, Russo mata Simone e a partir dai a rivalidade entre as quadrilhas só aumenta.

Paralelo a isso, Téo se envolve com Bárbara que fica em dúvida sobre seu amor ou sobre sua carreira em ascensão. Na reta final de Corpo Santo, Russo é preso após tentar matar Lucinha, a quem julga ser a culpada por toda a sua ruina. Na cadeia, ele reencontra Téo e os dois brigam. Russo acaba morrendo e Téo é dado como morto, mas segundo uma visão de Lucinha, ele está vivo.

Disposta a investir cada vez mais em teledramaturgia, a Rede Manchete lançou em março de 1987, Corpo Santo, que tinha a proposta de fazer uma trama enfocando no dia a dia dos personagens e como eles reagiam as noticias do mundo real, inseridas na trama. Vários fatos reais foram inseridos na trama, entre eles o assassinato de Renata (Bel Kutner), que foi inspirado na morte da jovem Cláudia Lessin Rodrigues, em 1977.

Com Corpo Santo, a Rede Manchete planejava alcançar o mesmo sucesso obtido com Dona Beija, exibida no ano anterior. Inicialmente a novela foi considerada muito pesada e teve problemas com grupos católicos que acusaram a trama de influenciar negativamente os jovens. No decorrer da trama, após a morte de Simone (Christiane Torloni), a novela focou na rivalidade entre facções criminosas, em detrimento ao amor e humor, sempre os motes centrais das tramas. Contrariando as expectativas, a audiência aumentou e a trama obteve um relativo sucesso: 14 pontos no ibope. Com a morte de Simone, a protagonista, sua filha Lucinha (Sílvia Buarque) foi alçada ao posto de protagonista. Corpo Santo foi a primeira novela a abordar o tema da AIDS, doença que era contraída pela prostituta Marina (Eliane Narduchi).

Corpo Santo foi eleita pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) como a melhor novela de 1987. Além disso, o prêmio de melhor texto foi para José Louzada, melhor ator coadjuvante para Sérgio Viotti, melhor atriz coadjuvante para Ângela Vieira e revelação masculina para Chico Diaz. José Louzeiro e Cláudio MacDowell saíram antes do final da trama e foram substituídos por Wilson Aguiar Filho, que teve a colaboração de Leila Miccolis.

Foto: Reprodução/Manchete

Para Duh Secco, que atualmente assina a coluna Vivo No Viva, do canal Viva, e que é nosso convidado para essa edição que comemora os 30 anos da trama, Corpo Santo é muito mais que uma trama habitual: "Definiria como uma novela-verdade. Mais do que uma novela-reportagem, como diziam os anúncios da época. Corpo Santo tocou em assuntos até então ignorados pela TV (em parte por conta da Censura, com certeza), como esquadrões da morte, tráfico internacional de drogas, homossexualidade, assédio sexual. Trouxe a crônica policial, a crueza dos fatos. Algo só visto anteriormente, acho, em Plantão de Polícia e Bandidos da Falange, ambas com Aguinaldo Silva na equipe de roteiro. E curiosamente, autor de O Outro, que também teve esse tom de crônica policial, mais numa versão mais “romantizada”, como convinha às tramas da Globo. Acho Corpo Santo forte, ousada, surpreendente".

Duh ainda relata alguns pontos fortes e fracos da trama: "O forte, sem dúvida, foi o enredo do experimentado José Louzeiro, roteirista de filmes icônicos do cinema brasileiro, também no gênero “policial”, como Pixote e Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia. Fraco, talvez, a realização. A Manchete era, ainda, muito amadora – esta, inclusive, foi uma das queixas de Christiane Torloni após sua saída da trama...Gosto muito de tudo que envolve a Lucinha (Sílvia Buarque), filha de Simone (Christiane Torloni), coagida pelo namorado da mãe, Téo (Reginaldo Faria), a participar de filmes eróticos. Ela tinha um quê de paranormal, seu corpo não aparecia nos negativos dos filmes – vem daí o título da novela. Pesquisando sobre, descobri que a primeira inspiração para a personagem foi Aída Curi, criada em colégio de freiras, violentada e morta aos 18 anos, num crime que representou o fim dos “anos dourados”. O Louzeiro abandonou a ideia inicial, mas preservou na Lucinha essa perfil ingênuo, casto, violentado pela criminalidade. Gosto também do vilão de Jonas Bloch, o Russo, que camuflava na rivalidade o interesse sexual que nutria pelo ex-comparsa, Téo".

O colunista do Viva ainda ressalta a importância da trama para a teledramaturgia da Rede Manchete: "Quando se fala em teledramaturgia da Manchete a primeira novela que vem a cabeça, de qualquer pessoa, é Pantanal. Mas outras obras foram fundamentais para a consolidação da audiência e repercussão da emissora. Corpo Santo é uma delas. Acho que a trama ainda não obteve o reconhecimento que merece. Foi uma trama pioneira!"

A novela contou com duas trilhas sonoras: os tradicionais álbuns nacional e internacional, ambos com um frame da abertura estampando as capas. A trilha nacional continha as seguintes músicas: Amor Explícito / Simone, Um Lugar No Mundo/ Roupa Nova, Mensagem De Amor/ Léo Jaime, Condição/Lulu Santos, Se Eu Soubesse/ Tim Maia, Lua Do Leblon/ Fagner, Um Sonho A Dois/ Joanna, Segurança/Engenheiros Do Hawaii, Família/ Titãs, Coração Pra Coração/ Fevers, Si Si, No No/ João Bosco e Passos No Porão/ Rádio Taxi. A trilha sonora internacional trouxe as seguintes músicas: Someday/ Glass Tiger, If I Could Hold On To Love/ Kenny Rogers, You Touched My Life/ Gwen Guthrie, (I Just) Died In Your Arms/ Cutting Crew, Get Your Love Right/ Sabiha Kara, Can’t Help Falling In Love/ Corey Hart, Standing On Higher Ground/ The Alan Parsons Project, I Got The Feeling (It’s Over)/ Gregory Abbott, How Many Lies/ Spandau Ballet, Easy/ Dora, The Future’s So Bright I Gotta Wear Shades/ Timbuk 3 e Late Evening/ Bernard Arcadio.

A trama foi reprisada em outras três ocasiões: de 05/12 de 1988 a 20/07 de 1989 na íntegra as 13h; de 21/01 a 15/06 de 1991 em 121 capítulos as 19h30 e pela última vez de 02/08 a 27/10 de 1993 em 94 capítulos, as 18:30.

Corpo Santo foi uma trama escrita por José Louzeiro, Cláudio MacDowell e Wilson Aguiar Filho, com colaboração de Eliane Garcia e Leila Miccolis.. A trama contou com a direção de Ary Coslov, José Wilker e Walter Campos, que trouxe um ar cinematográfico a trama. A telenovela da Rede Manchete foi exibida de 30 de março a 2 de outubro de 1987 em 161 capítulos. A trama foi substituída por Carmen, de Glória Perez. Com uma linguagem focada no calor dos acontecimentos, Corpo Santo hoje em dia talvez não conquistasse o telespectador mediano que busca as telenovelas como uma fuga para seus problemas. Foi uma novela inovadora em sua linguagem, mas dificilmente será reprisada. Uma pena, pois seria uma constatação de que o Brasil não evoluiu nada em 30 anos.


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