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BEBÊ A BORDO: Anarquia e bom humor às 19h

Em sua primeira trama sem supervisão, Carlos Lombardi consolidou seu humor peculiar ao debater questões familiares.

Por: Emerson Ghaspar - Contato: [email protected]

Depois de colaborações em sucessos de Sílvio de Abreu e Cassiano Gabus Mendes e de escrever sua primeira novela solo Vereda Tropical em 1984 (com argumento e supervisão do autor de Guerra dos Sexos), Carlos Lombardi estreou em junho de 1988 o grande sucesso Bebê a Bordo, exibido às 19h na Rede Globo. Utilizando de seu texto humorado e irreverente, o autor retratou amplamente as relações familiares em uma trama cheia de ação.

Ambientada em São Paulo, a novela contava a saga de Ana (Isabela Garcia), que depois de se envolver em um assalto na expectativa de ajudar o marido, dá à luz a Heleninha (Beatriz Bertau) no carro de Tonico Ladeira (Tony Ramos), com quem já havia se envolvido no passado. No meio da confusão, Ana abandona a filha para poder fugir da polícia e a partir disso o rapaz começa a cuidar da menina.

Tonico é casado com Soninha (Inês Galvão) e com ela tem o pequeno Juninho (João Rebello), uma criança mimada e cheia de vontades. Tonico é um dos filhos de Branca (Nicette Bruno), que criou os filhos de tal maneira que eles se tornaram totalmente dependentes dela. Tonico ainda tem duas irmãs: Glória (Francoise Forton) e Ester (Patrycia Travassos). O que ninguém sabe é que Branca esconde um grande segredo. Tonico trabalha com marketing político na empresa de Walkíria (Marcia Real), ao lado de Ângela (Maria Zilda Bethlem), uma mulher reprimida sexualmente que dedicou a vida a cuidar dos irmãos Caco (Tarcísio Filho) e Zetó (Jorge Fernando).  A moça  passou 10 anos casta após ser abandonada por Antônio Antonucci (Rodolfo Bottino), que volta a procurá-la dizendo ser completamente apaixonado por ela.

Ângela tem sonhos sensuais com o locutor de rádio Tonhão (José de Abreu), um homem que ela não conhece, mas com quem virá a ter um romance tumultuado que não dará certo. O locutor é irmão de Rico (Guilherme Leme) e Rei (Guilherme Fontes), dois irmãos que moram em um galpão de uma fábrica abandonada e que tentam se reerguer após a prisão do pai, Seu Tico (Sebastião Vasconcelos). Os dois irmãos então tornam seus laços afetivos muito fortes e um cuida do outro.

Rico e Rei são suspeitos de ser o pai de Heleninha, que fica sob a guarda de Tonico até o retorno de Ana. A heroína foi criada por Mainha (Ilva Niño), sua mãe de criação e vive sendo atormentada pelo meio irmão Celso (João Signorelli), um bandido. O que a protagonista não sabe é que sua mãe, Laura (Dina Sfat), está atrás dela em busca de perdão por tê-la abandonada no passado.

Laura reconstruiu sua vida com Liminha (Armando Bógus) com quem teve outra filha, a jovem Raio de Luar (Silvia Buarque). Mas Laura não continuou casada com Liminha, que desapareceu deixando outros dois filhos de oura relação: Nicolau (Paulo Guarnieri) e Ladislau (Felipe Pinheiro). O grande pé no sapato de Laura é seu sogro Nero (Ary Fontoura), um ator há 20 anos afastado dos palcos e que sabe recitar Shakespeare de cor. No inicio da trama, o ator procura refazer sua vida e procura por seu grande amor do passado: Walkiria, mas com o desenvolver dos capítulos acaba se apaixonando pela nora.

Já Walkiria se casou e tem um filho: Dinho (Paulo Figueiredo), que se casou com Dinha (Silvia Bandeira). Os dois são pais de Sininho (Carla Marins). Quem convive diariamente com essa família é Mendonça (Debora Duarte), uma ambiciosa mulher, que acabará se envolvendo com Tonhão.

No decorrer dos capítulos, Ana é obrigada a abandonar a filha e, sem saber, deixa Heleninha na porta da casa de Laura, que já pretendia entrar na justiça pela guarda da criança. A situação se complica quando Ana, que não sabe quem é o pai, tem que encarar os possíveis genitores da criança: Tonico, Rei, Rico, Antônio Antonucci, e Zezinho (Leo Jaime), um bandido atrapalhado completamente apaixonado pela protagonista.

A pequena Heleninha faz o elo entre os demais núcleos da trama, ao se envolver em todos eles, mesmo que indiretamente. Os romances movimentaram a trama e Sininho, Raio de Luar, Rico e Rei formaram um quadrilátero amoroso que conquistou os jovens. Em determinado momento da trama, Ana se envolve com Antonio e Ângela se apaixona por Tonico, havendo uma troca entre pares.

Bebê a Bordo ousou em seu último capítulo, quando todos os possíveis pais de Heleninha fizeram um exame de DNA para saber quem era o pai da criança. Ana vai eliminando cada um dos suspeitos, até constatar que o pai é Tonico, mas ela decide não contar a ele. Nesse mesmo capítulo, Ana perde a guarda de Heleninha para Laura e decide fugir com a menina, para isso ela ganha o apoio dos irmãos Rico e Rei. Na fuga eles sofrem um acidente ao serem perseguidos pela policia e caem no rio, mas todos se salvam. A heroína então entrega a criança para Tonico, que mostra ainda estar apaixonado por ela, mas é rejeitado. Rico e Rei, que haviam se casado no dia anterior são dados como mortos.

Na ocasião, Ana tenta fugir e acaba levando um tiro. No hospital, a heroína acaba recebendo um HQ de Rico e Rei, ao mesmo tempo que Laura descobre que Heleninha sumiu mais uma vez. Os irmãos então aparecem com a menina no Paraguai, onde esperam por Ana. Na última cena, Heleninha dá um beijo em uma pintura de sua mãe.

A trama foi marcada pelo texto inteligente e criativo de autor, repleto de diálogos sarcásticos e cenas de ação inquietantes. Carlos Lombardi construiu uma trama anárquica envolvendo relações familiares que conquistou o público jovem, que havia fugido do horário. A trama de Heleninha unia todos os núcleos e cinco crianças foram utilizadas durante a evolução da criança: Adriana Valbon e Roberto (quando criança de colo) e Caroline e Beatriz Bertú ( quando começa a engatinhar), mas foi Beatriz que cativou o elenco, a equipe técnica e o telespectador, que amava a personagem.

A equipe de cenografia construiu um bairro tipicamente paulista para a trama. As cenas do primeiro capítulo onde Ana dava a luz a Heleninha pararam a zona oeste de São Paulo, fechando as ruas Brigadeiro Faria Lima, Avenida Nove de Julho e Rua Augusta.

Para os sonhos sensuais de Ângela, onde ela mostra seu desejo por Tonhão, o diretor Paulo Trevisan foi incumbido de fazer verdadeiros filmes. O profissional que era especialista em vídeo clipes deu um tratamento especial aos sonhos da personagem.

Rico e Rei eram descritos pelo autor Carlos Lombardi como neo hippies e por isso foi desenvolvido um figurino correspondente. A figurinista Sônia Soares sugeriu que eles usassem lenço, pois um deles era entregador de pizza e acabou ditando moda.

O figurino de Ana, personagem de Isabela Garcia, que tinha um pé na marginalidade, a lá borderline foram criados jaquetões grandes. As roupas de Ana, Rei e Rico criaram tendência, seguido por vários jovens. O bordão popularizado pelos irmãos que era levar uns coelhos (transar) caiu na boca dos mais novos.

Destaque para Tony Ramos com o seu ansioso Tonico Ladeira, que tirou o ator dos papéis que já estava costumado a interpretar. Pela primeira vez, Tony pode fazer uma comédia rasgada e conquistou o público. Segundo o autor, o personagem era uma mistura dele com o diretor Roberto Talma. Vale ressaltar as interpretações de Isabela Garcia, Guilherme Fontes, Guilherme Leme, Ary Fontoura e Dina Sfat, em sua última novela. A atriz viria a falecer em março de 1989, um mês após o término da obra.

Sobre a atuação de Dina Sfat, Carlos Lombardi relata no livro Autores, Histórias da Teledramaturgia: “Ela fez o papel muito bem. Estranhou no começo, depois relaxou e se divertiu muito. Foi muito penoso para todos nós vê-la piorar durante a novela. Eu tinha que poupá-la muito fisicamente, já não podia escrever cenas externas para ela. Chegamos a falar com um dos médicos se seria o caso de afastá-la do trabalho,mas ele falou:Pelo contrário.Vocês devem mantê-la, porque, quando acabar a novela ela vai morrer.Realmente a novela terminou em fevereiro de 1989 e a Dina Sfat morreu em março do mesmo ano”.

A novela contou com a participação de Bel Kutner, que interpretou o personagem Laura quando jovem. A atriz Cláudia Magno também entrou no meio da trama como advogado de Ana. Jorge Fernando que interpretava um dos irmão de Ângela teve que sair mais cedo da novela para poder dirigir a novela sucessora do horário: Que Rei Sou Eu?.

Em entrevista ao site Memória Globo, o autor e o diretor afirmaram que várias cenas da trama foram vítimas da censura. As cenas que eram mais cortadas eram as das atrizes Isabela Garcia e Carla Marins. Segundo o diretor a censura queria que a novela fosse exibida as 21h, mas a trama havia sido desenvolvida para as 19h. Após várias negociações a trama foi liberada.

A novela pelo selo  Som Livre lançou os habituais alguns nacional e internacional, sendo primeiro tendo na capa a atriz Isabela Garcia (interprete de Ana) e o segundo o ator Guilherme Leme (Rico). O álbum nacional trouxe os sucessos: Mordida de Amor/ Yahoo, O Beco/Paralamas do Sucesso, Quase Não Dá Pra Ser Feliz/ Dalto, Preciso Dizer Que Te Amo/ Marina e Amor e Bombas/Eduardo Dusek, sendo a última tema de abertura da trama.

O álbum internacional teve os sucessos: I Don’t Want Go on With You Like That/ Elton John, Build/The Housemartins, I Wonder Who She’s Seeing Now/The Temptations, So Long/ Eddy Benedict, Downtown Life/ Hall & Oates, I Don’t Want to Live without You / Foreigner e Never Tears Us Apart /INXS.

O título original da trama era A Filha da Mãe, mas José Bonifácio Sobrinho, o Boni, resolveu trocar o nome e ficou Bebê a Bordo. Curiosamente o nome seria usado em uma trama de Silvio de Abreu em 2001.

Bebê a Bordo foi exibida em Moçambique e Portugal, além de ganhar uma reprise no Vale a Pena Ver de Novo entre novembro de 1992 e março de 1993. A trama teve 209 capítulos exibidos originalmente entre 13/06/1988 e 11/02/1989 às 19h, sob a direção de Del Rangel, Marcelo de Barreto, Paulo Trevisan e Roberto Talma. O autor Carlos Lombardi contou com a colaboração de Mauricio Arruda e Luis Carlos Fusco.

O folhetim abordou com um tom de comédia verdadeiros dramas de jovens nos fins dos anos de 1980 e recentemente surgiu boatos de que ela viria a suceder a novela A Próxima Vitima no Canal Viva, o que não se confirmou. É uma trama divertida e comovente que merece uma nova chance de ser vista, seja em forma de remake ou em reprise. O que não podemos esquecer é dom tom profundamente humano da trama, que fugiu dos rótulos, ao apresentar personagens complexos que aprendem com seus próprios erros.

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